#1: "Fruto Proibido", Rita Lee & Tutti Frutti + Cosmopolitan
"Num apartamento perdido na cidade..."
Eu sei, eu sei… você já deve ter visto o nome do drink aqui no título e está já meio que torcendo o nariz para o Cosmopolitan, ainda mais nessa estreia da Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. É um coquetel de fama meio controversa, começando pela cor extravagante e terminando na pecha que lhe foi imposta por Carrie Bradshaw e suas amigas em Sex and the City. Há bartenders que se recusam a fazê-lo ou amaldiçoam o conviva até a décima geração após tal pedido. Minha namorada conta que, certa vez, saiu com um bartender e, ao pedir um Cosmo™, ele a julgou e disse que era um símbolo da “segunda era das trevas da coquetelaria”, ali pelos anos 1980, com ingredientes “artificiais e coloridos”. Isso para não falar em quem insiste dizer que é um “drink de mulher”. Tudo bobagem – e como diria a homenageada desta edição, “dou tratos à bola” e saio bebendo por aí.
O Cosmopolitan foi um dos primeiros coquetéis dos quais eu gostei. Afinal, ele é cítrico e doce, dois caracteres de paladar que costumam me agradar. São duas características que estiveram em alta nos anos 1980, quando reza a lenda que o Cosmopolitan foi criado. (A origem do coquetel é por si só controversa, dizem os especialistas, mas a maioria das versões informa que ele nasceu entre os anos 1970 e 1980, com a adição do suco de cranberry sendo usada para criar uma variação do Kamikaze, composto de limão, vodka e licor de laranja).
Ao paladar, devo somar à minha preferência um certo gosto pela blague. Acredito que não houve uma vez sequer que eu tenha pedido e recebido um Cosmo™ quando acompanhado de uma mulher no balcão – invariavelmente, o garçom endereçava o coquetel rosa para elas, enquanto um copo de Negroni, Dry Martini ou alguma outra bebida “mais forte” chegava na minha frente. Um dia, eu acho, ainda vou receber (e beber) meu Cosmo em paz.
E, apesar das aparências, é preciso dizer uma coisa aqui: um bom Cosmopolitan, bem feito, é um drink que parece levinho, mas é bastante alcoólico. “Um drink de peso”, tal qual um dos discos mais importantes do rock brasileiro.
A primeira associação entre Fruto Proibido e o Cosmopolitan é cromática: tal como o coquetel, a capa do disco de Rita Lee e Tutti Frutti é puro rosa, algo que pode causar certa ojeriza nos fãs de rock mais puristas. Quem conseguir ir além, porém, vai receber um álbum com camadas e nuances, que mistura romance, sexualidade, conflito entre gerações, grandes letras e arranjos espertos. Ouvir Fruto Proibido e prestar atenção nessas camadas, indo além dos hits que perpassam o disco, pode ser tão interessante quanto degustar o Cosmopolitan e separar o sabor de cada uma das frutas combinadas (limão, cranberry, laranja). Tutti frutti, eh?
Lançado em 1975, Fruto Proibido é um ponto de inflexão importantíssimo dentro da carreira de Rita Lee. A história é conhecida: depois de botar o vestido de noiva, andar meio desligada e cutucar as pessoas na sala de jantar com os Mutantes, Rita foi chutada para longe da Cantareira e da banda que ajudou a criar, enquanto os velhos companheiros se embrenhavam sozinhos em uma mata progressiva. Para seguir em frente, ela se uniu a uma banda da Pompeia, o Lisergia, prontamente rebatizado como Tutti Frutti pelo poeta Antonio Bivar (autor também do seminal livro O que é punk?, da Editora Brasiliense, hoje reeditado como Punk, em edição caprichada da editora Barbatana).
O começo do Tutti Frutti foi conturbado, com o disco Atrás do Porto Tem Uma Cidade mostrando grandes canções (“Mamãe Natureza”, “Menino Bonito”), mas embalado em uma produção confusa entre o prog e o glam. Em sua autobiografia, Rita bota a culpa na Phillips de André Midani, que queria fazer dela uma estrela controlada pelo sistema, ao mesmo tempo em que os dois tinham um “casinho”. Affair e contrato com a Phillips terminados, a cantora encontrou liberdade criativa na Som Livre – a gravadora da Rede Globo que, na época, era chefiada por João Araújo (o pai de um garoto que, anos depois, se tornaria conhecido pelo apelido de infância: Cazuza).
Com a estrada livre e o moderno Estúdio Eldorado de potentes 16 canais (uma novidade na época!) à disposição, Rita e seus companheiros (Lee Marcucci (baixo), Franklin (bateria), Guilherme Bueno (teclados), os irmãos Gilberto e Rubens Nardo (backing vocals), além do “Keith Richards da Pompeia”, Luís Sergio Carlini, na guitarra) puderam deitar e rolar em um disco doce e azedo, como as coisas da vida.
Há muitas coisas para se prestar atenção em Fruto Proibido. Um bom exemplo são as letras espertas de Paulo Coelho, que também havia acabado de romper a parceria com Raul Seixas e fez com Rita Lee os versos para três petardos: a mística “O Toque”, a romântica “Cartão Postal” e a incrível “Esse Tal de Roque Enrow”, que soa tanto como deboche quanto carta de intenções – e, ao mesmo tempo em que fazia piada do estilo, colocava Rita Lee como referência. A partir dali, roqueira brasileira não precisava mais ter cara de bandido e podia ser o que quisesse – inclusive prestar reverência à musa naturista Luz del Fuego na canção de mesmo nome, composta só por Rita, que parece ficar melhor e fazer mais sentido a cada ano que passa.
Ao contrário de Atrás do Porto, Fruto é um disco muito bem tocado, arranjado e gravado. Pode parecer pouco, mas não é: o apuro sonoro é algo que dá espaço não só para a intérprete versátil que é Rita Lee, mas também para os solos de Carlini e o piano de Bueno (atire a primeira pedra quem nunca se emocionou com o fecho de “Ovelha Negra” ou a guitarra latente de “Agora Só Falta Você”).
Mais que isso, ele sedimenta as bases para diversos pontos de referência na carreira de Rita. É só ficar com ouvidos abertos: o já citado deboche de “Roque Enrow” e a mão para grandes baladas em “Ovelha Negra”, isso para não falar no questionamento de “Luz del Fuego” e na sensualidade de “Fruto Proibido”, sala de ensaio para as canções sexy-refinadas-pop que a cantora faria após a união com Roberto de Carvalho, iniciada em 1976.
(Fruto Proibido, o disco, só não é melhor porque não tem uma das melhores canções de Rita Lee naquela época: “Lá Vou Eu”, lançada apenas num compacto duplo e na trilha sonora da novela O Grito, da TV Globo. É a canção que faz a cola mais perfeita com este Cosmopolitan: é sobre acreditar que, mesmo com os azedumes do dia a dia, a vida pode ser mais doce num apartamento perdido na cidade de São Paulo. E me perdoem o bairrismo em traduzir metrópole por cosmópole, mas em algum lugar da minha cabeça as coisas lá se equivalem, ainda mais para um disco gravado na rua Major Quedinho, centro de São Paulo, do lado do Bar do Estadão e seu glorioso lanche de pernil. Seja como for, vale dizer: acreditar na vida, em 1975 ou em 2022, é importante demais).
Mas tudo isso parece bastante coisa – e Fruto Proibido é um disco tão fácil de se ouvir quanto um Cosmopolitan é fácil de se beber. É uma porta de entrada para outras drogas mais pesadas. E aqui cabe uma anedota: minha primeira coqueteleira, hoje já aposentada, tinha no vidro várias medidas de receitas de coquetéis famosos – e até pouco tempo atrás, era só essa medida que eu usava para fazer meus Cosmos™. Sem ela, e sem Rita Lee (meu primeiro blog, hoje fora do ar, se chamava A Padoca do Mutante), talvez eu não estivesse aqui.
Talvez por isso fosse preciso começar com o Cosmopolitan – e se você também sonha em beber seu coquetel em paz, segue aqui a receita.
40 ml de vodka
15 ml de suco de limão
15 ml de licor de laranja
30 ml de suco de cranberry
A receita oficial da International Bartenders Association, a IBA, usa vodka citron (que é uma vodka com um cadinho de limão), mas você pode usar sua vodka normal – aqui em casa, eu vou de Absolut. Se você é ruim de medida, 15 ml de limão dá mais ou menos o suco de meio limão espremido (na mão ou no espremedor, você escolhe). O licor de laranja deve ser um triple sec, como um Cointreau, mas dá pra se virar bem com uma marca mais acessível como a Stock. Só não dá pra inventar moda no suco de cranberry, nada de substituir por groselha ou algo assim – e eu tive que camelar pelo bairro até achar uma caixinha decente, mas nada que um pouco de antecipação não consiga resolver.
Achou tudo? Agora junte todos o líquidos, bata numa coqueteleira com gelo e sirva coado (isso é, sem o gelo!) numa taça de Martini, aquela triangular que parece que vai derramar tudo mesmo. Beber bem às vezes também é questão de equilíbrio. O resultado final deve ser uma bebida rósea, meio esfumaçada (por conta do gelo). Pronto? Agora só falta você! (rá).
Antes da gente fechar a fatura, vamos a alguns reclames:
Pra quem não sabe, eu apresento o Programa de Indie, um programa de rádio na Eldorado FM, de São Paulo, junto com o camarada Igor Muller – pra ouvir a gente é só chegar no Spotify ou acompanhar no Twitter e no Instagram. Recentemente, a gente gravou um programa ao vivo com o Pluma, que tocou no mesmo piano Steinway usado nas gravações deste Fruto Proibido (e eu tenho um baita orgulho de dizer isso!). Em breve, prometo, esse programa chegará às plataformas de streaming!
Eu também escrevo umas coisas pro Scream & Yell – a última delas foi um relato do show que eu vi do Wilco em Zaragoza, na Espanha, em férias que foram boas demais. (Eu trouxe várias garrafas de bebidas ibéricas na mala e espero logo logo botá-las pra jogo aqui).
Além disso, eu também escrevo por aí sobre startups & mundo do trabalho – e recentemente tive a honra de publicar um perfil do André Maciel, fundador da Volpe Capital, na revista GQ. Ficou legal demais (e tá na edição de junho, ainda nas bancas).
Fechou? Então é isso: saúde, e até a próxima! Só não vá se perder por aí.
Um abraço,
Bruno Capelas
PS: Esta edição foi escrita ao som de Rita Lee e Tutti Frutti, óbvio – além de Fruto Proibido, de 1975, também entraram na receita Atrás do Porto… Tem Uma Cidade, de 1974, e o single “Lá Vou Eu”, de 1976. Se alguém tiver um compacto desses sobrando por aí, me avisa? Tem criança doente querendo.
PS2: Vale aqui o disclaimer: o Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais exibe aqui alguns links como sugestões de compra – se você comprar, ajuda a encher a adega dessa newsletter, sem que tenha que pagar uma comissão específica por isso. Mas fica a dica: vale procurar bem os preços por aí, seja de bebidas ou de discos, afinal o importante é beber direito. (E se der, não ter ressaca no dia seguinte, mas aí talvez seja pedir demais).
ow namora comigo rapidão pra eu testar um negócio