#15: “Cansei de Ser Sexy”, Cansei de Ser Sexy + Porn Star Martini
"Hey hey hey hey hey hey, do you wanna drink some alcohol?"
Sexo vende – pelo menos é o que dizem os publicitários. Depois de tanto falar de política, essa semana deu vontade de fazer uma cartinha mais descompromissada, uma edição safada & nostálgica ao mesmo tempo. Mas não é aquela nostalgia empoeirada, senão o sabor de paixão antiga passando pela sua timeline para ensolarar a sua semana nublada, caro colega de balcão. Não perca nem tempo tentando descobrir se os cabelos brancos chegaram. Só embarque nessa viagem ao meio dos anos 2000, a época em que tanto o drink quanto o disco da semana surgiram: Cansei de Ser Sexy, a estreia delicinha da banda de mesmo nome, junto ao Porn Star Martini, drink criado em Londres que acabou virando… quase um sinônimo da coquetelaria inglesa, por increça que parível.
Tanto a bebida quanto a banda costumam ser alvo de críticas a torto e a direito. Falta de substância, muito marketing e pouco conteúdo, a busca por um sabor explícito demais… tudo bobagem. É preciso encarar tanto o Cansei de Ser Sexy como o Porn Star Martini por aquilo que são: duas brincadeiras bobas e gostosas que, por tanta popularidade, acabaram sendo tomadas por muito mais do que originalmente pretendiam. Mas vamos com calma.
Criado em 2002 (o mesmo ano da estreia do Libertines, caso você precise de uma referência histórica), o Porn Star Martini é uma invenção de Douglas Ankrah, head bartender do The Townhouse Bar, em Londres. Antes que você pense besteira, vale explicar: é um coquetel que mescla vodka, baunilha e maracujá, uma combinação em que adocicado e cítrico se combinam de uma forma sutil. Existem duas teorias para seu nome (e agora você pode pensar besteira): a primeira é que seria exatamente o drink que uma estrela pornô pediria. A segunda é que o cheiro do coquetel seria semelhante ao perfume de uma stripper. Nunca frequentei um strip club (e olha que fui três vezes a Las Vegas), mas parece plausível. Brincadeira mesmo é dizer que esse é um Martini de verdade – ele não leva vermute, no máximo só é servido na taça de martini, uma blague que o próprio Ankrah admite ter rido bastante ao bolar.
Na versão original, o coquetel é ainda acompanhado por um pequeno copo de shot com Prosecco. A ideia de Ankrah é usar as bolhas do gás para ajudar a limpar o paladar e, ao mesmo tempo, deixar seu conviva um bocado mais bêbado. Dispensei essa sofisticação toda ao fazer o coquetel aqui em casa, mas na primeira vez que eu o bebi, na viagem de férias em Madri este ano, o copo acompanhante estava ali com cava de primeira linha. Se você quiser saber o tamanho da extravagância, devo dizer que foi um drink na hora do almoço acompanhado da namorada, que ele custou quase o dobro do que eu costumo pagar em um coquetel em São Paulo… e que apesar de parecer levinho, fez a namorada quase cometer crimes dentro do museu Reina Sofia. Um dia ela conta essa história, prometo. Agressões a obras de arte à parte, fato é que o Porn Star Martini é um daqueles coquetéis docinhos, fáceis de acostumar e se beber vários em sequência.
Também é fácil, bem fácil, consumir em sequência praticamente todas as canções de Cansei de Ser Sexy, o primeiro disco cheio do grupo paulistano que fez muita gente se perguntar pela primeira vez o que raios significava ser indie. Fundado em 2003, o Cansei era o caso clássico de banda meio descompromissada em que quase ninguém sabia tocar direito, mas todo mundo era muito empolgado e descolado, mêo. Não que isso importasse muito: era uma banda de apelo, mas pode chamar de hype se você preferir.
Primeiro, pela formação: era um cara na bateria e cinco (!) garotas nos vocais e todos os outros instrumentos, capitaneadas por Luísa Lovefoxxx. (Na formação original eram sete mulheres, mas… ninguém queria parecer tanto com o Titãs assim, né? Brincadeira, meo) Segundo porque esse cara sabia não só tocar muito, mas tinha… referências: Adriano Cintra, à época já com anos de serviços bem prestados ao udigrudi paulista ao longo do Thee Butchers Orchestra. Além disso, a banda era cheia de conexões com o universo da moda e da noite paulistana, um verdadeiro mangue de grandes ideias, histórias malucas, personagens curiosos e piadas internas – material mais que suficiente para criar canções divertidas, irônicas e chicletudas. E ainda havia o som, conectado com uma tendência global ainda ascendente: o que depois viria a se chamar electrorock, popularizado por bandas como LCD Soundsystem e Rapture – e se você duvida da sincronicidade, repare em como certas linhas vocais de “Computer Heat” parecem saídas da boca de James Murphy.
Essa última característica – a fusão com o som eletrônico – foi o que me fez passar algum tempo com nariz franzido para o Cansei de Ser Sexy. Também, vamos lá: eu tinha 13 para 14 anos, era viciado em Legião Urbana, Queen e Neil Young, não tinha nem beijado na boca e era um nerd do ABC. E essas músicas todas falavam de conhecer a Paris Hilton na praia (“Meeting Paris Hilton”), pegar um cara “de frente, de lado, de costas” (“Bezzi”), ser uma artista e vender quadros para os amantes (“Art Bitch”) e tinham gírias malucas (o que raios era “fazer a íntima”, perguntava eu?) .
Era algo distante demais do meu mundo, mas aos poucos a coisa foi descendo – e tudo começou com “Off the Hook”, dona de um riff enérgico que até hoje me faz querer levantar da cadeira e ir direto pra pistinha. Logo depois veio “Superafim”, cuja letra de bate pronto eu não entendi – “lesbian chic sapacaxa do Agreste” parecia tão estrangeiro pra mim quanto o islandês do Sigur Rós –, mas os vocais eram tão pegajosos e o refrão era tão bom que não dava para deixar passar. (Talvez até hoje eu não entenda todas as piadas? É uma possibilidade, mas vê se me esquece que eu cansei).
O Cansei pode não ter sido a primeira banda indie que eu amei (acho que o troféu cabe mais pro Ludov, de quem eu gostei uns meses antes), mas foi a primeira que me fez entender que havia mais que música quando a gente falava de música. Humor, ironia, postura… sexo! (“Music is My Hot Hot Sex”), tudo isso importava. E se só no disco já dava para sentir isso, eu ainda dei a sorte de ter uma demonstração prática bem naquela época. 2006 foi o ano em que meus pais começaram a me deixar ir a shows sozinho… no SESC Santo André, ok, mas era um começo.
E o Cansei passou por lá em um de seus últimos shows antes de embarcar para a gringa, assinar com a Sub Pop e virar lenda. Do show mesmo, das canções, eu devo dizer que lembro pouco. Mas lembro muito de quando Lovefoxxx veio até a beira do palco e roubou minha blusa (“Leva um casaquinho, filho”) do pescoço. E lembro da confusão que foi o final do show, quando eu e um amigo subimos ao palco com mais uma galera – o auge da rebeldia, cara, num SESC!
Pouco tempo depois dessa foto, Lovefoxxx e seus amigos iriam rodar o mundo e assinar com a Sub Pop (a mesma que lançou Bleach, o primeiro disco do Nirvana). Ela chegou a namorar o vocalista do Klaxons e ensaiar o movimento new rave. O Cansei de Ser Sexy ia virar a banda brasileira mais bem sucedida lá fora depois do Sepultura e mais um monte de coisa – com direito a emplacar músicas na trilha do FIFA, o que é um marco para o homem hétero, dsclp. Depois disso, teve um monte de treta e dedo no cu e gritaria e o que originalmente era um octeto ficou reduzido a quatro integrantes. A saída mais sentida foi a de Adriano Cintra – e eu aguardo o dia em que será publicada uma entrevista que eu fiz com ele dichavando a história. Hoje ela mora no fundo da gaveta.
O quarteto restante até chegou a fazer um show bacana no Popload de 2019, mas que tinha um gosto esquisito: as músicas eram divertidas, mas a conversa era toda sobre “Fora Bolsonaro”. Deu na época (e dá ainda hoje) saudades de quando as bandas podiam ser só divertidas (e não é “só” isso, mas você entendeu). É por isso que, apesar dessa trajetória toda, nada na carreira do grupo ser tão bom quanto a inocência e a safadeza deste Cansei de Ser Sexy, também um marco na indústria fonográfica brasileira.
Não só porque foi o primeiro disco saído do projeto Trama Virtual, em que qualquer artista podia colocar seus mp3 para baixar, mas porque vinha com um CD-R dentro da caixinha pra você gravar o disco para um amigo. Sacadas de gente como Carlos Eduardo Miranda, que estava por trás da iniciativa – a produção do disco, porém, era do próprio Adriano. (E a ficha técnica e os agradecimentos são um verdadeiro who’s who do indie paulistano daquele comecinho de milênio, vale perder um tempo fuçando).
Passados 17 anos, prestes a virar um maior de idade, o primeiro disco do Cansei de Ser Sexy segue sendo um registro bem redondo de uma banda muito divertida. Letras ácidas se escondem por trás dos vocais divertidos de Lovefoxxx (“Yeah, you’re alright, this is really fun”), numa inversão de papéis do Porn Star Martini: lá, é a baunilha que ajuda a tirar um pouco o punch do aspecto cítrico do coquetel, deixando tudo num balanço que não chega a ser agridoce, mas sim refrescante. E apesar de não ser exatamente um drink tropical, como o Cansei não é exatamente uma banda que parece brasileira à primeira vista, disco e drink se combinam nesse jogo de identidades verdadeiras e falsas, nessa brincadeira de fantasias.
Além disso, o Porn Star Martini é o tipo de bebida que parece chique, mas é meio safada, sendo capaz de caber tão bem na noite paulistana daquela época. É o que me dizem, eu não sei, porque cheguei bem depois do palco desabar. Para um disco e um drink tão despretensiosos, talvez eu já tenha escrito demais. No mais, só me resta perguntar: “Hey hey hey hey, do you wanna drink some alcohol?”
A Receita
Suco de meio maracujá, com semente e tudo
60 ml de vodka
15 ml de suco de limão
15 ml de xarope de açúcar
2 gotas de essência de baunilha
gelo
Que fique bem claro que esta receita é uma adaptação do Porn Star Martini original, facilitada para uma adega com menos recursos. O drink original utiliza vodka infusionada com baunilha (como a Absolut Vanilia), licor de maracujá, não leva limão e usa um maracujá mais comum no Hemisfério Norte, menorzinho. Aqui, a gente usa vodka “sem sabor” e o nosso bom e velho maracujá amarelo, com semente e tudo, pra compensar a ausência do licor de maracujá – uma licença que cometo com a autorização do nobre Giba Amendola, titular do Balcão do Giba no Estadão e um grande fã de Wilco. E no lugar da vodka de baunilha, apelei para um ingrediente típico da cozinha de mãe: essência de baunilha, aquela que a gente costuma colocar no pudim de leite condensado para deixar mais perfumadinho.
No mais, a lógica é simples: coloque o maracujá na coqueteleira e dê uma leve espremida com o pilão, para deixar o suco sair. Aí coloque todos os outros ingredientes e bata bem. Antes de servir numa taça de martini, é importante coar duplamente essa mistura – aqui em casa, eu usei o strainer e um coador mais fininho, desse de cozinha mesmo. O resultado ficou bem refrescante e, como acontece em muitas bebidas com vodka, é quase difícil sentir o álcool. Então tome cuidado, viu?
Nos reclames da semana, várias coisas legais:
No Programa de Indie, eu e o Igor Muller falamos demais sobre os 30 anos de Automatic for the People, um dos discos da minha vida e uma obra-prima do R.E.M. Tem quase duas horas de conversa & música lá no Spotify!
Fui ver o grande Maurício Pereira no Instituto Çarê, aqui em SP, faz umas duas semanas e o resultado foi essa resenha cheia de vídeos aqui – com direito até a ele cantando “Todo Mundo Vai Sofrer”, da diva Marília Mendonça.
E na semana que vem rola em Floripa o RD Summit, um dos maiores eventos de marketing, vendas e comunicação do País. Pra Cajuína, bati um papo com o diretor de eventos da RD, o Denis Braguini, pra entender insights e bastidores por trás do evento.
Se resta dizer mais alguma coisa, vale uma só: o Cansei pariu uma das melhores declarações de amor à música que eu já ouvi. Se você está lendo essa newsletter, acho que deve compartilhar um pouco do sentimento:
“From all the jobs the one I choose is music
From all the drinks the one I get drunk of music
From all the bitches the one I wannabe is music
Music is my hot hot sex”.
Um abraço,
Bruno Capelas
PS: Este texto foi escrito ao som de Cansei de Ser Sexy, o disco de estreia do Cansei de Ser Sexy, bem como de faixas esparsas do grupo, como as covers de “Humanos” (Tokyo) e “Hollywood” (Madonna). Que loucura, cara.
PS2: Parte da razão pela qual esse texto foi escrito agora foi porque Lovefoxxx está de volta com um novo projeto, o TUM, ao lado do (agora) namorado Chuck Hipolito, ex-Forgotten Boys e Vespas Mandarinas (e vá lá, MTV). A estreia foi no Popload Festival e tem um vídeo aqui caso você queira saber mais.
PS3: Que fique claro: Lovefoxxx devolveu meu casaco depois do show. Ele até hoje existe no meu armário. Já a entrevista com o Adriano Cintra, feita por mim, pelo Marcelo Costa e pelo Paulo Terron, está esperando o dia que o Mac resolver lançar o livro das entrevistas antológicas do Scream & Yell. Vamos aguardar até lá. Enquanto isso, porém, você pode ouvir a conversa que eu e Igor Muller, os dois indies rabugentos, tivemos com o homem, o mito Alexandre Bezzi, muso inspirador da canção do Cansei de Ser Sexy. Se você tiver lendo, Bezzi, um abraço apertado, meu querido.
PS4: Caso você esteja curioso por mais coisas malucas do indie paulistano daquela safra, deixo aqui duas coisas maravilhosas. A primeira é “Alguém Aí”, uma canção lista que parece irmã gêmea de “Losing My Edge”. A outra é o Caxabaxa, projeto paralelo de Adriano Cintra que tem ao menos quatro grandes canções: “Vila Maria Mariana”, “Torre de Quinta, “Visualizada” e, a melhor de todas, “Lembra Qdo A Gente Era Tudo Amigo?”. E aí, alguém aqui se considera indie?