Beco das Garrafas: Montando uma Adega Básica com R$ 300 (ou R$ 500)
Se você já se perguntou quais garrafas precisa ter sempre no bar de casa, a gente responde, com direito a dicas de drinks e tudo mais!
Quando eu comecei a mexer com esse negócio de bebida, uma coisa que sempre me inquietava era saber quais eram as garrafas que eu sempre deveria ter em casa. Aqueles destilados (ou não) que eu não poderia deixar faltar se me desse vontade de beber um negocinho diferente. Consultar livros de receitas não foi exatamente uma boa ideia: há muitos coquetéis clássicos que incluem spirits não exatamente acessíveis, e alguns deles são clássicos justamente porque incluem ingredientes específicos – meu exemplo favorito antigamente eram os 10 ml de Maraschino (o licor de cereja que aqui no Brasil, faz chuchu virar vice-pres… fruta) que um Daiquiri hemingwayniano pedia. Com o tempo, porém, eu fui aprendendo o que eu usava mais e o que só fazia sentido comprar de vez em quando.
Como acredito que conhecimento só é bom se for compartilhado, aproveito dois bons motivos para dividir com vocês este Beco das Garrafas. O primeiro é a Black Friday, quando costumam rolar boas promoções. O segundo é que para quem está no mundo CLT, o 13º salário acabou de cair e me parece um bom destino para uma parte dele montar uma adega básica em casa. Ao longo deste texto, assim como costumo fazer muitas vezes, vou compartilhar links da loja do seu Bezos – que ajudam um pouco a manter minha adega e minhas pesquisas pra essa newsletter funcionando. Se você comprar pelos links (mesmo que não compre o que eu indiquei), é um trocadinho que pinga por aqui. O mesmo vale para as dicas que já dei no nosso primeiro Guia de Compras!
Lembrando ainda que este é um guia com base na minha experiência e no meu gosto pessoal – mas tentando levar em consideração alguns critérios mais abertos. Também é um guia pensado no mercado nacional, sem direito a free shop (saudades de dólar baixo e viagens de imprensa).
Com estes destilados e mais alguns ingredientes básicos (limão, laranja, água com gás, água tônica, ginger ale, xarope de açúcar), você terá nas mãos as bebidas para fazer uma cacetada de drinks e alegrar a sua noite sozinho em casa, aquele date a dois ou até mesmo as festas de família. Dividi as dicas em dois pacotes: para quem quer gastar até R$ 300 e para quem quer gastar até R$ 500 nesse fim de ano. Ao final, alguns conselhos extras para quem estiver com algum sobrando. Aviso ainda que para quem lê esta newsletter no site, temos uma nova seção – uma espécie de índice remissivo da newsletter, indicando os drinks que já falamos aqui divididos pelos ingredientes e os artistas todos em ordem alfabética.
Para gastar até R$ 300
Uma das coisas mais importantes na minha experiência enquanto apreciador de coquetéis é subir o nível aos poucos. O que quero dizer com isso? Que nem sempre tomar a bebida mais cara é o melhor negócio – existe todo um processo de aprender a apreciar as bebidas sem machucar o bolso, no melhor custo-benefício possível. Não estou falando que você deva só tomar Corote, Askov e Rum Montilla, pelo contrário, mas só explicando que estou privilegiando um número maior de bebidas com qualidade e preço OK em vez de focar em poucas garrafas. Com o tempo, você vai aprendendo do que gosta mais ou menos – e sabe onde investir seu rico dinheirinho. Dito tudo isso, vamos lá.
Gim de boa qualidade (aprox. R$ 75)
Desprezado durante muito tempo, sinônimo de bebida de pirata ou malandro inglês, o gim é um dos destilados mais versáteis para a coquetelaria moderna. Não é à toa que ele está por trás de todos os drinks da moda dos últimos anos (gim tônica, Negroni, Fitzgerald): ele tem características que se complementam bem com diversos tipos de sabor, do doce ao amargo, passando pelo cítrico. Um gim de qualidade decente deve custar entre R$ 60 e R$ 80 no mercado hoje em dia, garimpando promoções – e aqui me refiro tanto a marcas importadas, como Gordon’s e Lario’s, mas também alternativas nacionais como Atlantis e Yvy. Para quem busca preços mais em conta, o Apogee é bem decente – especialmente para drinks que envolvem outros sabores além dos botânicos do gim. E se estiver em promoção, vale sempre a pena investir num Beefeater da massa, um degrau acima dessa turma toda.
Uísque de boa qualidade (aprox. R$ 75)
Ao contrário do gim, o uísque é uma bebida que costuma ser apreciada pura por seus amantes. Ok, e por isso entendo amigos que gastam centenas (e até milhares!) de reais em uma só garrafa. Mas aqui nosso negócio é misturar, não exatamente beber puro – ainda que alguns coquetéis, como o Old Fashioned, têm apenas “temperos” como complementos para um bom uísque brilhar. O que quer dizer que você não deve beber qualquer uísque, mas também não precisa se preocupar com aquele single malt destilado em meio a geleiras do Norte da Escócia. O que precisa é de um bom uísque (seja ele scotch ou bourbon) para descobrir como funcionam coquetéis como o Old Fashioned, o Mint Julep, o Jack and Coke, o Manhattan e outros tantos. Aqui em casa, quando penso em custo-benefício, estou quase sempre de olho no Ballantine’s, que vira e mexe pinta em promoção – com um pouco de sorte (e alguns tostões a mais), dá para chegar também no Jim Bean (bourbon) ou no Jameson (irish whiskey), duas marcas que eu adoro.
Licor de laranja (leia-se: triple sec) (aprox. R$ 50)
Você deve estar se perguntando: ué, licor? Sim: o licor de laranja está naquele grupo de destilados que não costumam ser base de bebidas, mas que fazem a diferença no seu tempero. Ele está em algum dos meus coquetéis favoritos, como o Cosmpolitan, o White Lady, o Sidecar e o Gin Fizz. Cointreau – a marca mais conhecida de triple sec, nome dado a um tipo específico de licor de laranja (mas não vamos entrar em tecnicalidades extremas) – é caro e a gente sabe. Serve para aquele dia especial, para um coquetel específico. Aqui em casa, quando preciso mexer com licor de laranja (e outros tipos de licor, uma categoria de destilados cujo potencial é inesgotável), vou de Stock sem dó. São produtos nacionais, mas que tem características de sabor e qualidade (leia-se “sem ressacol”) que funcionam nesta mixologia amadora. De vez em quando, dá também para achar um Marie Brizard em promoção, mas é raro. Agora, se tiver sobrando, vale mesmo investir no Cointreau sim, que é massa demais.
Campari (aprox. R$ 45)
Aqui eu não vou nem me atrever a ficar indicando marcas diferentes: Campari é um clássico – e vou me atrever a discordar de Mano Brown e seu incrível verso “Schmidt, Taurus, Rossi, Dreher ou Campari/pronúncia agradável, estrago inevitável”. Além de ser uma delícia puro, só com uma rodela de laranja e uma pedrona de gelo, o Campari é um amigo importante para diversos drinks, seja como destilado base (Garibaldi, Campari Tônica) ou como de apoio (Negroni, Boulevardier, Negroni Sour, o memético Negroni Sbagliatto…). Conhecido genericamente como “Licor amargo e vermelho de estilo italiano” (numa tradução livre do que faz o Difford’s Guide), o Campari é um item bem básico – além de tê-lo por perto ser uma ótima forma de abrir o paladar para sabores mais amargos. Costumo pagar entre R$ 40 e R$ 50 numa garrafa dele, mas é até possível achar por menos.
Vermute tinto (aprox. R$ 45)
Você pode até dizer que eu estou listando o vermute tinto aqui para fechar a lista de ingredientes de um Negroni. É meia verdade: metade dos meus amigos que tem uma garrafa de vermute em casa o faz por conta do clássico coquetel que eu pareei com nosso querido Itamar Assumpção. Mas há bem mais que isso no vermute tinto (normalmente, vemelho ou “rosso”, se for de origem italiana): ele se combina ao gim de inúmeras formas e proporções, com ou sem água com gás, e pode ser um bom parceiro do uísque. Junto ao Campari, faz ótimas duplas também. E para quem quiser fazer um bom rabo de galo, fica só faltando o Cynar. É possível ir do zero ao céu para comprar um vermute, mas aqui em casa, Martini Rosso e Cinzano Rosso costumam dar bem para o gasto – depois da viagem à Espanha, até passei a beber vermute com gelo. Se quiser gastar mais, fique à vontade.
Cachaça branca (aprox. R$ 10)
Não foi à toa que eu deixei R$ 10 sobrando ao final desta lista: quem lê a Meus Discos sabe o quanto eu confio na cachaça nossa de cada dia como destilado base para inúmeros coquetéis e adaptações. Sei que a questão “51 ou Velho Barreiro” costuma dividir as pessoas, de maneira que eu gosto de ambos – mas tenho uma leve preferência pelo esquadrão de Pirassununga, fácil de encontrar em qualquer canto. Cachaça branca é a base da Caipirinha, mas também do Bombeirinho e das mil infusões que eu apronto aqui. Vale a pena investir em outras cachaças? Ô, mas quanto melhor for a cachaça, mais dó eu tenho de colocá-la nos coquetéis – até porque uma caninha da boa pura é um negócio bom demais.
Para gastar até R$ 500
Se você tem alguns tostões a mais para gastar, podemos brincar com algumas ideias legais – seja adicionando bebidas ou melhorando o nível de qualidade dos spirits que a gente inclui na cestinha de compras anterior. Sugiro que você não mexa na cachaça, no licor de laranja, no Campari e no vermute tinto – e com isso são R$ 150 na conta, ok? Vamos aos próximos passos.
Melhore seu jogo: gim e uísque (R$ 100 cada)
Lembra aquilo que eu falei sobre gim e uísque de boa qualidade? Dá para melhorar um pouco, sempre dá. No gim, onde o patamar já estava alto, dá para subir um pouco mais apostando em marcas inglesas de muita estirpe, como o Tanqueray imortalizado por Amy Winehouse ou o ótimo Bombay Sapphire, que costumam girar em torno dos R$ 100 em preços promocionais. R$ 100 também costuma ser o preço normal de um Beefeater sem promoção.
No uísque, a brincadeira abre um pouco quando você sobe o seu orçamento – Johnny Walker Black Label, alguns tipos variados de Ballantine’s e Jim Bean e, com alguma sorte, algumas marcas de Bourbon podem eventualmente aparecer em promoção aqui. Além disso, vale ponderar seu gosto: se você não quiser gastar mais em gim, dá para usar o que sobra no uísque (e vice-versa). Num mundo ideal, o melhor seria ter scotch e bourbon lado a lado na adega, mas estamos lidando com economia – a ciência dos recursos escassos!
Rum branco (aprox. R$ 50)
Mais uma vez, o ótimo é o inimigo do bom, ok? Minha marca favorita de rum branco é o excelente Havana Club, mas faz muito, muito tempo que ele não aparece nos entornos de R$ 50 aqui no Brasil – tomei até um susto quando vi gente pedindo quase o dobro por uma garrafa de 750 ml. Mas confesso que o rum foi uma das grandes portas de entrada para minha apreciação mixologista, e tudo graças à trinca Cuba Libre-Mojito-Daiquiri. Já contei aqui como Mojito era minha arma secreta de socialização em churrascos, e acho que deveria ser a sua também neste verão que se aproxima. Meu cavalo de batalha? O Bacardi Carta Blanca, com sabores bem amigáveis direto de São Bernardo, a partir de uma receita cubana. (No mundo ideal, você também compraria uma garrafa de rum ouro, mais apropriada para o Cuba Libre, mas nem tudo é perfeito).
Angostura (aprox. R$ 100)
Durante muito tempo, eu fui um cético da Angostura – me parecia muito improvável que apenas algumas gotas de um negócio bem concentrado pudessem mudar um coquetel. Mas mudam – e como! Um bitter bastante concentrado, cheio de ervas e feito em Trinidad e Tobago, a Angostura é um ingrediente importantíssimo em drinks como o Fitzgerald, o Manhattan e o Old Fashioned (além de dar um gostinho a mais naquele uísque on the rocks que a namorada adora tomar antes de ir embora).
É um coadjuvante de luxo, mas tá sempre pronto para entrar e fazer a diferença – como eu espero que o Pedro atue nessa seleção brasileira que joga já já, como era o Basílio no Santos durante a Libertadores de 2003. Fica o aviso: o preço de R$ 100 costuma ser para a garrafinha de R$ 100 ml; para a de 200 ml, que parece inesgotável (eu tenho a minha há três anos e meio e ela parece longe do fim), o valor costuma girar em torno de uns R$ 150. E se o dinheiro sobrar ainda mais, vale investir ainda no Angostura Orange, bitter de laranja que também dá um talento legal nas ideias (e serve para substituir rodelas de laranja caso você não tenha ido à feira recentemente).
Extra, extra!
Gosto não se discute e sei que com álcool isso faz ainda mais sentido. Tem gente que não bebe gim, tem gente que não bebe vodka – uma amiga tem trauma de ter participado de uma atividade universitária chamada Sopa Russa, que consistia em beber um prato de sopa inteiro de vodka com uma colher, então meus Cosmopolitans para ela são todos com gim.
E tem coisas que simplesmente não fazem sentido no seu gosto – eu mesmo achava besteira beber uísque até um certo tempo atrás. Então tem aqui ainda algumas coisas que podem fazer sentido caso você não se interesse por outras coisas que estão aqui em cima, numa lista rápida.
Vodka: base para inúmeros coquetéis, o destilado de batatas merece atenção também. Deixei de lado porque outros destilados têm mais personalidade, enquanto a vodka é meio “em branco” pra mim. Mas vale demais ter uma garrafa à mão para Cosmopolitans, Moscow Mules, Porn Star Martinis e outros drinks – e aqui em casa, achei bom custo-benefício sem ressaca de dia seguinte na Absolut mesmo.
Licores: gosto muito dos licores da Stock, como já disse, e acho que os licores deles de Café, Cherry e Cacau podem ser ótimos substitutos para itens mais caros. Mas existe uma infinidade de licores, e vai de gosto descobrir seus favoritos.
Porto: eu sou suspeitíssimo para falar de vinho do Porto porque todos meus avós eram portugueses ou filhos de portugueses. E sei que Porto é algo que eu bebo puro, não exatamente com tantos coquetéis (meus favoritos são o Porto Tônica e o Lady Macbeth, em breve aqui!), mas ter um Porto na adega é de lei. Pra quem nunca bebeu, recomendo um Tawny básico, que dá para achar por uns R$ 100 em qualquer mercado.
Vermute branco: tão importante quanto o vermute tinto, o vermute branco (ou bianco, ou seco, extra dry, em alguns casos) é essencial para uma classe enoooorme de coquetéis, os Martinis. A parte boa é que você não vai gastar tanto assim com eles se quiser entrar no nível básico – uma garrafa de Martini Bianco ou Extra Dry (mais seco!) costuma girar em torno de R$ 40 e cumpre bem sua função.
Ah, mas e o Aperol? E champagne? E o Fernet que você usa tanto? Tequila? Conhaaaaque? Bem, aí já estamos falando de passos mais avançados – e acredito piamente que cada um tem seu caminho a descobrir. O meu, inclusive, está sendo feito junto com vocês (então quem sabe não surge um guia avançado em breve?). O que eu espero mesmo é ter ajudado – lembrando ainda que tem o Guia de Compras de utensílios de bar para harmonizar com esse texto aqui, ok?
Reclames da semana:
Depois de muuuuuito tempo, eu e o Igor Muller conseguimos cometer um Programa de Indie cheio de novidades. Tá bonito, viu?
Na ressaca do Primavera Sound, eu bati um papo com a Phoebe Bridgers, um dos principais destaques do festival. Foram 20 minutos de papo, mas teve de tudo: eleições, Lorde, americanos babacas, morte, pandemia, Joni Mitchell, turnês e Sally Rooney. Chega lá no Scream & Yell pra ler.
Na semana que vem, voltamos às atividades normais. Espero que vocês tenham gostado (e que compartilhem essa newsletter com aquele amigo que tem muitas dúvidas sobre drinks mas não sabem por onde começar).
Um abraço,
Bruno Capelas
PS: Este texto foi escrito ao som de Espanha 7, Costa Rica 0, bem como junto do disco Foi Mal, da banda paulistana Pelados. Música doidinha, mas bem gostosa de ouvir. Cola na grade.
PS2: A gente perdeu essa semana o grande Erasmo Carlos e eu nem tenho palavras para descrever o tamanho do Tremendão para a história da música brasileira. Mas vale sempre voltar no texto que eu escrevi aqui sobre Carlos, Erasmo…