#30: “Acústico MTV”, Charlie Brown Jr. + Diet Cokeagne
Nem tão complicado demais, mas nem tão simples assim: o encontro entre Tom Hanks, Chorão, Coca-Cola e champagne.
Uma das grandes questões de se “produzir conteúdo na era da internet” é a data de validade. Posso dizer que eu tenho lugar de fala nessa discussão: montei meu primeiro blog aos 12 anos (o finado A Padoca do Mutante, quem viveu sabe) e, com raríssimos intervalos de exceção, não deixei de publicar algo diariamente na internet por quase duas décadas. Já vi e fiz de tudo nesse período: de textos escritos em cinco minutos para viralizar no Twitter (e serem esquecidos no dia seguinte, mas colaborarem com as metas de audiência de quem pagava meu salário) até looongas reportagens e entrevistas que só ganharam alguns poucos likes.
Quando montei essa newsletter, porém, eu decidi que queria tentar construir algo mais perene. Um tipo de texto que, por mais que fosse uma conversa semanal, pudesse ser lido a qualquer momento – inclusive por quem descobrisse o que eu estava inventando lá pela 30ª ou 40ª semana. Acho que, de certa forma, é algo que faz parte do meu momento de vida: depois de ser Sìsifo numa redação por muitos anos, sempre empurrando a pedra do jornal que viraria embrulho de peixe, decidi tentar escrever menos e melhor. E peço desculpas pela longa introdução, caro leitor, mas é porque esse preâmbulo todo serve como um pedido de desculpas pelo que virá a seguir: é nesta edição que a Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais cede aos memes e ao TikTok.
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Foi algo que eu relutei durante um bom tempo: há alguns meses, quando a newsletter ainda começava, viralizou por aí o vídeo da conversa-flerte entre duas atrizes de A Casa do Dragão cujo mote central era um tipo diferente de “Negroni… sbagliato… com prosecco!” Minha gerente de marketing pessoal (ou seja, a namorada) correu pra me mostrar e tentar me convencer a bolar uma coluna harmonizando o drink da moda. Torci o nariz e segui o jogo.
Mas agora foi mais difícil: há algumas semanas, pipocou nas redes sociais um vídeo do Tom Hanks explicando uma nova receita de coquetel para o apresentador Stephen Colbert. Seu nome? Diet Cokeagne – uma mistura de Diet Coke com champagne, criada de maneira improvável pelo ator de Forrest Gump em uma festa. Na era do vídeo, não basta inventar, tem que provar: muitos dos vídeos mostravam Hanks e Colbert provando a mistura improvável e salivando. Como bom fã de filmes antigos, considero Tom Hanks um “bom amigo”. Alguém em quem se pode confiar – afinal de contas, encho duas mãos com filmes que adoro dele, começando por The Wonders e terminando em Mensagem Pra Você. Não podia ser um coquetel tão ruim assim, não é mesmo?
Como há algumas semanas eu tinha uma garrafa de espumante sobrando por aí (na verdade, um frisante lambrusco que me ajudou a fazer o Lady Macbeth), decidi colocar a bebida à prova. E não é que ficou bom? Uma espécie de champanhe mais adocicado, em que o álcool não sobe às borbulhas, ao mesmo tempo em que parecia uma Coca mais leve, um tantinho cítrica, mas sem pender para a acidez de colocar limão espremido ou para o perfumado da artificial Pepsi Twist (tuíiiiiste, eu sei que seu cérebro pensou nisso). Mais do que gostar, eu decidi que dessa vez ia ter que harmonizar esse inusitado coquetel com um disco brasileiro. E botei a cachola pra funcionar.
Quem me conhece com alguma proximidade sabe que eu sou um grande fã de Coca-Cola. Acho que a culpa é da minha mãe: quando eu era criança, ela achava Coca “forte demais” e sempre colocava um pouquinho de água pra diluir, de maneira que eu achava Coca sem graça. Mais velho, quando experimentei Coca de verdade, meu cérebro deu um estalo. No colegial, um ritual que eu e os melhores amigos tínhamos era de rachar (em dois, três, no máximo quatro pessoas) uma garrafa de 2 litros no ônibus de volta pra casa, caminhando pela Paulista numa sexta à tarde ou só comendo hambúrgueres na hora do almoço. Não á toa, eu até cheguei a ter um outro blog chamado Anúncio de Refrigerante (inspirado na música homônima do Renato Russo). “Coquinha é vida” e “Zé no céu, Coca na Terra” são dois lemas que carrego no peito.
E tomar o Diet Cokeagne foi uma forma muito curiosa de achar uma nova experiência sensorial envolvendo Coca-Cola. Just like starting over, como diria John Lennon, esse drink me levou de volta ao Ensino Médio. Ao mesmo tempo, meu lado racional sabia que o Diet Cokeagne não é exatamente uma mistura lá muito elaborada. É mais uma combinação quase acidental de coisas que juntas fazem sentido. Uma digna bebida de festa, de reunião de amigos, quando você começa a misturar coisas até descobrir algo que seja minimamente bebível. E isso me lembrou de viagens à praia na adolescência, churrascos feitos em dias que os pais de alguém não estava em casa, pequenas celebrações.
A questão é que, ao contrário de muito adolescente (inclusive, dos meus amigos), eu não bebia nessa época. Eu acho que só comecei a beber direito mesmo lá pelos 21, quando fui morar em Portugal e aprendi a lidar melhor com cerveja, vinho e outros alcóois – além de tomar meu primeiro porre na véspera do meu aniversário, numa festa da faculdade regada a vinho (português!) de caixinha. De forma que eu nunca poderia ter bebido um Diet Cokeagne com 15 ou 16 anos, mesmo que o champanhe ali fosse só uma garrafa de Sidra Cereser. Saudades do que a gente não viveu, diria o filósofo popular. E aí me lembrei de uma banda que hoje eu adoro, que vivo escutando & citando e que tem tudo a ver com adolescência, mas que eu não gostava quando era adolescente: o Charlie Brown Jr.
Pode rir aí da sua casa, mas é verdade: talvez por culpa da internet, da influência paterna ou de algum travo mental, eu não ligava muito pra MTV quando era mais novo. Minha MTV mesmo era o Alto Falante, musical feito pela Rede Minas que passava na Cultura – e como bom programa mineiro, me fez viciar em Pato Fu, Skank e… Tianastácia. Já o que passava na MTV me fazia torcer o nariz, e o Charlie Brown Jr. era um exemplo excelente do que eu não gostava: as letras eram “rasas”, o instrumental era “pesado” e todos os caras eram “maloqueiros demais”. Acho que na verdade eu é que era meio preconceituoso e metido à besta quando era mais novo mesmo. (Mas tenho até hoje uns cinco CDs do Tianastácia e adoro usar a camiseta que comprei com uns 14 anos, já pelo site oficial da banda).
Com o tempo, porém, eu fui passando a entender melhor algumas canções do Charlibra. Talvez eu me estenda aqui, mas acho o riff de “Te Levar” um negócio incrível, a trilha sonora perfeita do verão no litoral paulista. Como diria o velho Freud, todo mundo tem que “matar seu pai” – e algumas vezes eu “matei” o meu berrando os versos de “Não Uso Sapato”. (Seu Capelas, a vida já foi mais extrema, cê entende, né?) Até hoje fico incrédulo com o flow de pérolas e besteiras juntas de “Ela Vai Voltar”, acho o jogo de contradições de “Só Por Uma Noite” muito bem construído e claro que, assim como todo mundo entre os 38 e os 25, tive uma paixão platônica que poderia ser resumida com a história de “Proibida Pra Mim”. São só alguns exemplos, mas aos poucos fui percebendo que Chorão tinha um espaço no meu coração – isso para não falar que ele era um santista de quatro costados, algo que eu sempre valorizei.
Essa valorização do Charlie Brown Jr. tem crescido nos últimos anos no meu coração – e muito disso está centralizado no Acústico MTV do grupo. Eu sei, eu sei: você vai dizer que o Acústico MTV do Charlie Brown Jr. tira o peso e pasteuriza o som da banda, que bons mesmo são os primeiros discos e tudo mais. Vou me permitir discordar: no Acústico há uma mostra muito sutil e suave da força de Chorão como frontman, atuando com charme, humor e malícia – indo além da máquina de palavrões e palavras de ordem que o tornaram ídolo de uma geração.
Há ainda declarações retas e diretas de onde o nosso querido Marginal Alado tirava inspiração: do rap, do reggae e do ska, de Chico Science, de Jorge Ben, do rock brasileiro dos anos 1980 (representado pelo Camisa de Vênus com “Hoje”) e, claro, do mesmo hardcore que contemporâneos como o Planet Hemp escutavam. Posso estar exagerando, mas a verdade é que as versões de “Oba Lá Vem Ela” e “Samba Makossa” têm me feito sorrir nos últimos dias enquanto ando por São Paulo. Além disso, é uma ótima forma de ouvir “os melhores momentos do Charlie Brown”, mas sem apelar pra playlist ou coletânea.
É óbvio que eu sei que há uma explicação para isso: é nostalgia, claro. Mas não é só: hoje, mais do que nunca, eu gosto da ideia de ter um escritório na praia, estar sempre na área, mas me afastar de quem não é da minha laia. Às vezes faço o que eu quero e às vezes faço o que tenho que fazer. Neste 2 de março, em que completo 31 anos, acho que começo a entender que o tempo às vezes é alheio à nossa vontade. Vivo dias de luta e dias de glória, entendendo que cada escolha é uma renúncia – e se eu escolhi costurar esse parágrafo só com citações não-sinalizadas de Alexandre Magno Abrão, é porque eu realmente acredito nesses versos hoje em dia.
Entender o significado dessas frases e o apelo que elas tiveram sobre tanta gente nas últimas duas décadas, por mais clichês que sejam, é uma forma de lembrar a mim mesmo que às vezes a gente perde umas coisas legais por besteira, pretensa maturidade ou algo assim. Às vezes, o melhor coquetel que você pode beber é mesmo essa mistureba de espumante com Coca-Cola – e juro que, subindo a Anchieta, difícil achar uma trilha sonora tão boa quanto esse disco ao vivo de 70 minutos. (Mas pra descer a Anchieta o rei Roberto continua imbatível, viu?).
É um pouco nesse equilíbrio entre tentar construir algo que dure, mas sem tentar perder as coisas boas que acontecem de surpresa, que eu encho minha taça neste 2 de março. Eu fico meio reflexivo quando faço aniversário (talvez o motivo pelo qual eu quase nunca faça festa ou aquele bar com os amigos pra comemorar), então peço desculpas se você esperava algo mais animado.
O que sei é que ontem meu primeiro porre completou dez anos. (Eu sei a data de cabeça porque foi na véspera do meu aniversário, então é fácil). E naquela mesma semana, Chorão morreu. Só o que é bom dura tempo o bastante para se tornar inesquecível, eu sei, mas e quando a gente não vive isso? E quando “saudades do que a gente não viveu” não é um meme, mas uma lacuna de fato? Sei lá, talvez o Diet Cokeagne esteja fazendo efeito em mim e isso realmente pareça papo de bêbado, mas me permito esse clichê já que é meu aniversário: não deixe de “exaltar as coisas bonitas e boas da vida”, não deixe de aproveitar o rolê e… não deixe de beber aquele copo que alguém te dá sem dizer o que é no meio de uma festa entre melhores amigos. As consequências podem ser incríveis. Salve, Marginal Alado, e obrigado por tudo.
A Receita
Putz. Sério? Ok, vamos lá.
de 100 a 120 ml de espumante/frisante/champagne… importa é estar gelado
de 100 a 150 ml de Coca-Cola/Coca Zero… gelada!
Confesso que é engraçado dar medidas e proporções numa bebida que claramente é feita de improviso. No relato original de Tom Hanks, ele tinha uma latinha de Diet Coke na mão e pediu ao garçom para lhe servir 50 ml de espumante, completando a lata. É uma ótima ideia caso você esteja numa festa com uma latinha de Coca, mas testando o Diet Cokeagne em casa, eu confesso que preferi uma proporção um pouco mais alcóolica.
Acho que dá para chamar este drink de highball porque tem uma “base alcóolica” e um gás, ainda que a própria base tenha lá suas bolhinhas. Você pode discutir, mas o que sei é que, assim como acontece em outros highballs, cada bebedor vai ter a sua proporção favorita. Faz aí na sua casa e me conta depois que eu vou gostar de saber.
O que importa mesmo é simples: as duas bebidas precisam estar geladas. Se possível, elas precisam ter bastante gás também (mais a Coca que o espumante, ok?). Se essas duas condições estiverem satisfeitas, você pode colocar as duas direto no copo, taça ou vasilhame de sua preferência e ser feliz bebendo. Aqui em casa, porque eu sou besta, resolvi colocar o Diet Cokeagne numa taça coupé. Não só porque esse modelo de taça é bastante usado para beber champanhe, como também gosto da ironia de tomar uma mistura bem fuleira numa taça bonita. Como diria o Marginal Alado na simbólica “Champanhe e Água Benta”, “toda patricinha adora um vagabundo”. Não é tão complicado demais, mas também não é tão simples assim.
Para os reclames da semana:
Na semana passada, o Programa de Indie trouxe novidades boas da música já neste 2023, incluindo petardos do Dry Cleaning (que tá vindo ao Brasil), Yo La Tengo (que eu espero que venha), Deerhoof e muito mais. Mas eu digo mais: fiquem ligados no Instagram do Programa amanhã, que a gente vai tá dando o que falar.
No último sábado, a TV Cultura exibiu o reencontro do Castelo Rá-Tim-Bum, que tá disponível pra ser visto no canal da Oreo (?). Quem me conhece bem também sabe que uma das coisas mais legais que eu já fiz na vida foi escrever um livro sobre o Castelo Rá-Tim-Bum, chamado Raios e Trovões e editado em 2019. Meses depois do livro (e no auge da alta pandemia), eu cometi uma thread no Twitter com mais de 300 curiosidades sobre o programa. Enquanto eu não consigo decidir o que achei do especial recente, achei que valia falar aqui sobre isso, porque sim (e porque sim nesse caso é resposta!)
E na newsletter legal da semana, vou recomendar esse texto do
, da . Não é só porque ele recomendou o último texto do Cartola por lá, mas também porque eu realmente adorei a abordagem do "tenho opiniões". Acho que vocês poderiam gostar de saber mais:
Pra fechar a sequência de citações: Hoje eu mando newsletter de casa, mas eu já andei de trem. Saúde!
Um abraço,
Bruno Capelas
PS: Este texto foi escrito ao som do Acústico MTV do Charlie Brown Jr, claro, mas também de Tamo Aí na Atividade, Transpiração Contínua Prolongada e Preço Curto, Prazo Longo, três discos que eu recomendo que você vá escutar caso esteja rindo da minha cara nesse momento.
PS2: Eu passei muito tempo zoando Chorão. E tem algumas coisas que são difíceis mesmo de não ficar incrédulo no rolê. Entre elas, o meu momento favorito da banda é uma apresentação no Bem Brasil, histórico programa musical da TV Cultura, gravada no Sesc Interlagos. O espaço do público estava apinhado de gente, tinha uns skatistas no rolê e no meio disso, Chorão e seus companheiros fazendo uma versão doidinha de “Killing in the Name” e outra de “Come as You Are”. Só dá o play e curte.
PS3: É claro que o conselho de aceitar copos suspeitos só vale para amigos. O Ministério da Saúde e do Seu Fígado adverte: Não aceite bebidas desconhecidas de estranhos.
PS4: Se você chegou até aqui, obrigado. Ainda quer me dar um presente depois desse monte de doideira? Então responde nosso questionário, por favor <3
Eu nunca comentei aqui e dessa vez não me contive! Charlie Brown Jr. me conquistou na adolescência pelas músicas que descreviam como eu me sentia. Eu sabia que a sonoridade não era lá aquelas coisas de originalidade. Mas sempre achei incrível como eles misturavam tantos gêneros criando um próprio, das ruas. Li o livro da ex mulher do Chorão e consegui entender um pouco mais da alma do cara também, um romântico incurável, menos com ele próprio. Engraçado alguns pontos: realmente estou lendo sua newsletter muitos dias depois de ela ter sido publicada e ela está bem fresca. Pautas frias me fascinam! Eu já bebia na adolescência e estava comentando essa semana com um amigo da época que a gente comprava uma garrafa PET de refrigerante de drinks suspeitos feitos sabe-se lá com o quê de um carro que ficava parado numa praça da cidade para dividirmos entre os amigos. Passava de boca em boca aquilo. A gente tinha coragem e sorte. Era feito de refrigerante e provavelmente alguma cachaça com leite condensado, pelo menos é o que imaginávamos. Custava R$ 7,00. Não era Coca-Cola, não era espumante. Mas era o que a gente bebia na época, além de suco com vodka barata, vinhos suaves que custavam 5 litros por R$ 15,00 com leite condensado, refrigerantes com cachaças...
Por último, respondi a pesquisa. Considere um presente de aniversário atrasadíssimo. Feliz novo ciclo e obrigada por sua escrita!
Eu sou o chato que parou de beber refrigerante. Quase vejo esses drinks com Coca-Cola, fico em uma encruzilhada. Será que eu experimento? Se eu beber, virarei um zumbi tomador de refrigerante? Hehehehe.