#17: “Batidão Tropical”, Pabllo Vittar + Hibiscate
"Ninguém vai pegar, ninguém vai roubar, a lua me deu, me deu seu amor"
Já tem muitas semanas que eu aguardava para escrever este texto – mas parece que o dia certo nunca chegava. Nesta, eu estava com tudo pronto, mas a carga de trabalho e uma insuspeita gripe apareceram para atrapalhar o processo. Por isso, o texto da semana segue um pouco depois do que vocês estão acostumados – mas acho que pode até ser bom para fazer um teste. Enfim, metalinguagem à parte, fato é que esta coluna muitos aspectos úteis e agradáveis: primeiro, porque é uma continuação daqueles meus prolongados estudos com infusões em cachaça (que, você lembra, deram origem ao Manoel de Barros, o drink Pantanal e ao Cachá-y-kiri, com Erasmo Carlos). Segundo, porque eu simplesmente adoro esse disco da Pabllo Vittar e acho que ele representa um pedaço do Brasil – para ficar num trocadilho rápido, aquele que ama, sofre e chora pra cacete. E terceiro porque o drink de hoje é uma invenção da casa e uma ótima oportunidade para conversarmos sobre Highball, um estilo muito divertido de coquetéis.
O Highball não é um drink específico, senão uma classe de drinks que compreende uma fórmula bem simples: um destilado e uma bebida carbonatada. Puristas afirmam que é só isso mesmo, enquanto tem quem aceite uma ou outra gotinha de limão ou outros cítricos. Alguns dos coquetéis mais clássicos são exemplos de Highballs, como o Gim Tônica, o Cuba Libre, o Scotch & Soda (com uísque e água com gás), desde que eles sejam servidos num copo de até 300 ml. Como aqui a gente atua no improviso, vou dizer que essa medida é um tanto quanto arbitrária – ainda mais morando num país quente, onde a gente precisa de gelo pra se refrescar. (Menos quando você mora em São Paulo e é novembro, aí vai ser frio pra caramba). Há até quem afirme que seu estilo favorito de degustar um bom uísque é fazendo um Highball com água com gás e o melhor cão engarrafado possível.
Tudo isso só para dizer que este Hibiscate é uma invenção minha baseada nessa fórmula clássica, que se tornou extremamente popular no início do século XX. Para isso, apostei numa mistura de água com gás e cachaça infusionada em hibisco. O hibisco, amantes de gim tônica sabem, é um ótimo exemplo de ingrediente que se dá bem com destilados e transforma seu sabor, mas eu queria saber o que aconteceria numa infusão prolongada. O resultado foi uma cachaça bastante densa e cheia de acidez, com notas de dulçor ao final. Meu primeiro instinto foi tomar puro e até funcionou, mas sabia que era um líquido que pedia uma interação refrescante e gelada. Daí a ideia de um highball, que resultou nessa bebida de tom rosa, que tem cara de que pode ser consumida aos baldes, mas pode também ser degustada com calma.
Confesso que a primeira conexão com Batidão Tropical foi cromática: na primeira versão que fiz, o Hibiscate (um trocadilho com Hibisco, Biscate e… Highball, afinal) saiu muito parecido com a cor do conjunto usado por Pabllo na capa do disco. Não foi uma referência forçada: em 2021, enquanto ainda estávamos trancados em casa durante alguma onda da pandemia (eu confesso que perdi a conta), Batidão foi um grande companheiro de faxinas e outras tarefas domésticas aqui em casa. Sábado de sol lá fora na Santa Cecília e aqui era só aspirador e pano pra dar conta da sujeira que faz o home office.
E se nas primeiras audições eu só dava risada das canções, pouco a pouco eu fui percebendo suas nuances e entendendo que, por trás de um refrão como “você me deixou triste/triste com tesão”, havia muita produção. O trabalho de Pabllo só parece ser popularesco, mas tem muita sofisticação – e parte disso responde pelo nome de Rodrigo Gorky, um dos integrantes do coletivo Brabo Music e que, em tempos distantes, era uma das três partes do Bonde do Rolê. (É uma exceção a uma máxima particular que eu tenho: “tudo que vem de Curitiba não faz sentido”). Um dos cinco compositores de “Ama Sofre Chora” e “Triste com T”, os principais hits do disco, Gorky não é o único nome “de grife indie” a participar do disco: “A Lua”, terceira canção do disco, é composição do time da Brabo Music junto a Alice Caymmi – sim, a neta do cara que fez “O Mar”.
Gostei ainda mais do disco quando entendi que mais que pura soma de canções, havia todo um conceito por trás dele: a homenagem de Pabllo às bandas de calypso, tecnobrega, forró e brega que ela tanto ouvia na adolescência. Nomes como Companhia do Calypso (“Zap Zum” e “Bang Bang”), Banda Batidão (“Apaixonada”), Ravelly (“Ultra Som”) e Brega.com (“Ânsia”) apareciam entre as influências dela – e para um cara branco e hétero de São Paulo, foi como me conectar com todo um outro universo. E enquanto eu mesmo estava me apaixonando a distância, aquelas canções de certa forma ajudaram a traduzir alguns sentimentos que eu estava lidando, de uma maneira muito direta e simples – e nem por isso o simples, como a combinação de apenas dois ingredientes num coquetel, não pode ser sofisticado.
Estou teorizando demais, sinto: Batidão Tropical e praticamente todo o repertório de Pabllo, mais do que pensado, é um disco para ser dançado com copinho na mão e, de preferência, alguém do lado para rebolar junto. É um disco que respira suor, calor e tesão – e pede uma bebida refrescante para acompanhar, com uma dose de álcool razoável para harmonizar com a sofrência de refrões como “Presta atenção/seu coração/vai pagar o mal que me fez”. Humildemente, acho que o Hibiscate se presta bem a esse serviço e poderia cair nas graças de qualquer baile espalhado pelo Brasil.
Mais que isso, Batidão Tropical é um disco que simboliza coisas que eu quero no Brasil hoje, mas especialmente a partir de 2023. Um disco feito por uma drag queen sendo ouvido por todo mundo e botando criança e vovó para dançar. Um disco em que a sofrência pode ser a nossa maior preocupação (e não a fome, o emprego ou a pandemia). Um punhado de canções em que a gente pode amar de qualquer jeito, sofrendo chorando ou simplesmente dançando do lado de quem a gente gosta.
Há ainda uma razão muito pessoal para este disco estar aqui: neste 10 de novembro, eu faço aniversário de namoro e Pabllo Vittar é um pedacinho importante desse ano maluco, em que a
segue me aguentando com minhas piadas ruins, meu humor inconstante e meu jeito de citar bandas esquisitas toda hora. Pode parecer contraditório fazer uma declaração de amor romântico utilizando um coquetel chamado Hibiscate, mas eu juro que tem lá sua lógica. É porque esse ano e muito (conta aí umas semanas de beijinhos e uns meses de webflerte) me ensinou que não é preciso ficar cheio de dedos pra ser quem a gente é quando tem alguém que quer entende a gente – e isso vale para certos melindres, mas também para questões… bem, questões que eu deixo pro meu terapeuta.Mas também é porque Pabllo Vittar um dos shows mais incríveis que a gente viu nesses 12 meses de namoro. Tudo começou com eu metendo o louco e falando “vamos pra Europa em junho”, achando que ela não ia topar. Topou e lá fomos nós para Portugal e Espanha – e no mesmo dia em que tomamos um pequeno porre de vinho do Porto na Real Companhia Velha, também vimos Pabllo fazer uma exibição de gala no Primavera Sound do Porto. Até hoje dá saudade daquele dia, de dançar agarrado e perceber que aquele amor era mesmo “K.O.”.
Por isso, peço licença aos outros 400 e tantos assinantes dessa newsletter para uma singela declaração besta e clichê para ela: gatinha, que esse seja apenas o primeiro de muitos anos em que eu fico inventando drinks pra você e te enchendo o saco todos os dias com trocadilhos. Eu quero mais shows de pop pra gente dançar agarrado nas músicas mais safadas e mais shows de rock! para gente se esgoelar, eu quero mais cafés da manhã com panqueca ouvindo Velvet Underground e vídeos da gente comentando bebidas (antes que o garçom espanhol do Seinfeld bata na gente). E que os beijos no pescoço que fizeram a gente se encontrar nunca acabem. Te amo. Pó pô póo po.
A Receita
A receita para um namoro dar certo, bicho, eu confesso que não sei. Cada caso é um caso. Mas agora se você quer a receita do Hibiscate, vamos lá.
50 ml de cachaça infusionada em hibisco
150 ml de água com gás
muito gelo
Mas Bruno, cachaça infusionada em hibisco não tem no mercado! Sim, eu sei: já falei aqui bastante sobre como é fazer uma infusão em qualquer destilado, seguindo o guia do Mixology News. No caso do chá de hibisco, que tem uma boa absorção pelo álcool, eu coloquei uns 20 gramas de chá e uns 200 ml de cachaça num pote hermético. Chacoalhei bem e deixei em infusão em lugar fechado (meu armário!) por 24 horas. Depois, filtrei no coador de café e guardei num pote fechado.
Daí, fazer o Hibiscate é muito simples: basta colocar 50 ml da cachaça e 150 ml de água com gás num copo alto, com muito gelo. Se você achar que é demais, vale a pena ficar brincando com as proporções – sinto que, dependendo do calor e da ocasião, a proporção poderia ser até de 25 ml de cachaça para a mesma quantidade de água com gás. É uma das belezas de qualquer Highball, como a gente já conversou lá atrás no Gin & Coke da Legião Urbana, lembra?
Os reclames dessa semana estão recheados, viu?
No Programa de Indie, teve uma conversa especial com o Interpol, que tocou aqui em São Paulo na primeira edição do Primavera Sound em terras brasileiras.
Agora, se você quer saber como foi mesmo o festival, eu recomendo que leia essa cobertura a catorze mãos (eu, Marcelo Costa, Janaina Azevedo, Renan Guerra e Manoel Magalhães, mais os fotógrafos Fernando Yokota e Pridia) feita pelo Scream & Yell, em relatos extremamente pessoais. Foi divertido demais – especialmente por ter a companhia de Seu Capelas & Dona Silvina no sábado curtindo sons estranhos. Acho que vocês vão gostar.
Mas, mais que isso, eu peço uma coisa: tirem essa semana para ouvir Gal Costa. Eu tô fazendo isso desde ontem à noite e só fico cada vez mais encantado. (Se a vida estivesse mais fácil, juro que aprontava uma harmonização com ela. Fico devendo para a próxima). Posso sugerir um ponto de partida? Índia, que eu venho ouvindo em repeat.
E ouçam e vejam e pensem sobre Rolando Boldrin, um homem que me fez pensar demais sobre o Brasil. Cometi algumas linhas sobre ele no Twitter que podem servir como ponto de partida.
Zap zum zum zum, no cometa eu vou, nem que seja de carona pra te dar amor. Saúde!
Um abraço,
Bruno Capelas
PS: Este texto foi escrito ao som de Batidão Tropical, de Pabllo Vittar, bem como de uma sequência de hits da cantora que, assim como meu amor, desponta de Uberlândia para o mundo. Acho que é o texto que escrevi mais rápido desta newsletter – afinal, o amor urge e eu tô aqui atrasado pra ir jantar com a namorada. Pelo menos eu já peço desculpa enquanto tô no caminho!
PS2: Batidão Tropical, se não ficou claro, é um excelente disco de festa. Espero que você use na sua pistinha em breve.
PS3: Quase que essa newsletter não saiu hoje, mas achei que precisava dar conta dela. Sei que eu prometi que a gente não teria periodicidade, mas também gosto de escrever toda quinta. Queria saber o que você acha. Se puder, vote abaixo. Agradeço muito.
Aposto que você deve ter uma armário cheio de potes herméticos! Hahahahaha