Eu preciso começar nossa conversa semanal, aqui no balcão, com um pedido de desculpas: eu bem que gostaria de apresentar um drink e um disco nessa semana, mas não consegui. Os motivos são vários. A carga de trabalho dos últimos dias e o cansaço se impuseram, é verdade, mas também senti que não ia conseguir escrever uma boa newsletter. Passei a semana pensando em boas combinações que pudessem representar o que eu sinto e o que tem passado pela minha cabeça. Até cheguei a ensaiar uma harmonização com um drink sem álcool – o próprio corpo anda rejeitando um pouco a vontade etílica, dada a tensão.
Não vou falar com meias palavras: esta semana é provavelmente uma das mais difíceis da história do Brasil recente. Às vezes acho que meus cabelos vão ficar todos brancos iguais antes de domingo à noite chegar. Os dias se arrastam e têm sido difícil. Sigo otimista, bem ao espírito de uma das canções que citei na primeira edição desta Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais:
“Num apartamento perdido na cidade
Alguém está tentando acreditar
Que as coisas vão melhorar
Ultimamente, a gente não consegue
Ficar indiferente debaixo desse céu”
Tentei mesmo escrever essa semana. Até pensei em não falar de eleição, política, democracia, barbárie, urna e tudo mais. Quase quis escolher um disco de festa, para dar sequência a uma vibração positiva (minha namorada diria “manifestando”, numa leitura irônica de O Segredo) que comecei na semana passada. Achei que não era a hora. Pensei também em simplesmente reenviar o texto que escrevi às vésperas do primeiro turno, juntando Lula, o discaço da Lupe de Lupe, com o Bombeirinho. Reli-o agora, enquanto escrevo, na véspera do envio dessa cartinha, e sigo acreditando em cada palavra que coloquei ali. Dada a distância, porém, do envio, achei que seria golpe – vocábulo que, este sim, quero bem longe daqui.
Achei que a saída mais honesta seria simplesmente mandar esse alô, compartilhar um pouco do que tem passado na cabeça e torcer por um futuro melhor. Neste domingo, não é segredo, digitei 13 duas vezes na urna. No primeiro turno, mandei aqui minha colinha e não elegi nenhum dos candidatos – ainda que eu saiba que meus votos ajudaram a fazer uma bancada progressista em Sâo Paulo.
Neste final de semana, acredito que será diferente – e só mudo de ideia quando o TSE e a matemática me disserem que não posso mais. Como li nas redes sociais essa semana, não estamos buscando o paraíso. Estamos, com Lula e com Haddad, buscando um novo começo – e se é preciso dizer, digo: são os melhores nomes para ajudar neste longo caminho de construção e reconstrução do Brasil e de São Paulo. Como diria a Lupe de Lupe, de novo: “Brasil novo ainda vai ser o que jamais se chamou Brasil”. Sem medo de ser feliz.
(Pequeno aparte: “sem medo de ser feliz”, além da conotação óbvia, é também uma das frases mais clássicas de Seu Capelas. É usada sempre que estou indeciso quanto a alguma situação e ele quer me fazer andar pra frente. “Vai lá, Bruno, sem medo de ser feliz”. Achei curioso o paralelo).
“Sem medo de ser feliz”, aliás, é o nome que demos a um programa/podcast extra-ordinário gravada por mim, pelo companheiro Igor Muller e a queridíssima Roberta Martinelli. Uma playlist para esta última semana de outubro de 2022, que publicamos hoje junto a uma conversa um pouco caótica, desordenada, misto de sessão de terapia em grupo, conversa de bar e reflexão sobre como chegamos até aqui e o que podemos fazer para não retornarmos a este ponto. Publicamos hoje esse papo e, enquanto ele não tenha drink nenhum, acho que tem muita coisa que ando pensando por aqui também, com a ajuda de artistas que amamos de paixão – de Ratos de Porão a Maglore, de Chico Buarque a Boogarins, de Gilberto Gil a The Gilbertos.
Torço, companheiros e companheiras de balcão, que os próximos tempos nos reservem discos e drinks da mais louca alegria que se pode imaginar. Que a gente possa sorrir aliviado, seguir em frente, cantando aquela música do Jorge Ben naquele arranjo que eu gosto tanto com o Erasmo Carlos, registrada lá no Carlos, Erasmo…: “chorava todo mundo, mas agora ninguém chora mais”.
Nos vemos na semana que vem.
Um abraço,
Bruno Capelas
PS: Este texto foi escrito ao som de I Can Hear the Heart Beating as One, clássico de 1997 do Yo La Tengo que tem sido um companheiro para noites semi-insones aqui na Santa Cecília. Recomendo fortemente.
PS2: Achou que não ia ter reclame, né? Aproveito só pra contar que no Programa de Indie, lembramos dos 15 anos de In Rainbows, do Radiohead, em um programa delicioso. Enquanto isso, no Scream & Yell tem uma entrevista minha com o Guto Goffi falando dos 40 anos de Barão Vermelho. Entre muitas aspas, destaco uma ótima, sobre o que o baterista do Barão acha que o amigo Cazuza estaria fazendo hoje. “Cazuza era um cara que combatia a caretice! Ele jamais estaria aliado a uma extrema-direita ou a gente que gosta de violência, que defende armas e guerras. O Cazuza era o oposto disso. Ele era um poeta, um pensador social”. Fim de papo.