#41: “Em Ritmo de Aventura”, Roberto Carlos + Jack’s Godfather
O rei chegou, viva o Rei: um coquetel doce, entre a Itália e a América, pra embalar nossas viagens e romances num carango quente em ritmo de aventura.
Eu não podia voltar a escrever essa newsletter depois desse longo e tenebroso inverno com qualquer disco. Há muito eu vinha aguardando uma chance de escrever sobre ele, O Rei, e um dos discos mais bonitos que já foram gravados no Brasil. Em Ritmo de Aventura, lançado em 1967, é um ponto de inflexão incrível na carreira de Roberto Carlos, como vamos conversar daqui a pouco. Faltava um drink para acompanhar – e por semanas cogitei que poderia ser o Godfather, coquetel que me acompanhou nos últimos meses depois de assistir a The Offer, série que narra a história de como foi feito o filme O Poderoso Chefão e mostra até o nascedouro dessa combinação maravilhosa de whisky e Amaretto. Itália, Estados Unidos, sabe como é, né? Mas faltava algo ali. A combinação final veio quando lembrei que dava para adicionar Coca-Cola no Godfather, deixando ele mais… balançado, recebendo o nome de Jack’s Godfather. Era tudo que eu precisava para ficar em ritmo de aventura.
É difícil pensar quando eu me dei conta da existência de Roberto Carlos. Acho que ele sempre esteve presente. Pelo menos do que posso me lembrar, eu já sabia cantar “O Calhambeque” quando era criança e ainda estava aprendendo a ler e escrever. Culpa do apelo inegável e inocente da Jovem Guarda com jovens petizes? Possivelmente. Roberto também sempre esteve presente em todo Natal, e até mesmo em algumas missas que frequentei quando era criança – eu nasci nos anos 1990, época de Padre Marcelo Rossi, e o que são “Jesus Cristo” e “Nossa Senhora” senão pilares fundamentais do disco de platina do padre bombado?. Mas o meu primeiro disco de Roberto foi esse Em Ritmo de Aventura, uma união de canções tão incrível que até parece uma coletânea. (Ouso dizer que foi um presente de Natal para Seu Capelas, saído de uma tosca lojinha de CDs da Vila Barcelona, mas a memória pode me trair).
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A lista de hits de Em Ritmo de Aventura é difícil de superar: tem “Eu Sou Terrível”, “Como É Grande Meu Amor Por Você”, “Por Isso Corro Demais” e “De Que Vale Tudo Isso”, só no lado A. O lado B começa com a imbatível “Quando”, a maravilhosa “Você Não Serve Para Mim” e sua guitarra envenenada, a divertida “O Sósia” (de um inspirado Getúlio Côrtes) e encerra com a baladaça do amor próprio “Só Vou Gostar de Quem Gosta de Mim”.
Mas mais do que os hits, é um disco importantíssimo: lançado em novembro de 1967, ele é o último gravado por Roberto enquanto ele ainda participava do Jovem Guarda, o programa da TV Record que ajudou a projetar não só a voz do cantor de Cachoeiro do Itapemirim, mas também sua imagem como símbolo sexual de uma época. Além disso, é o último disco gravado por Roberto antes de participar do Festival de Sanremo, na Itália, o qual ele venceria cantando “Canzone per te”, de Sérgio Endrigo.
Os dois fatos não são fortuitos: sair de Jovem Guarda (que ainda continuou no ar por quase um ano sob o comando de Erasmo e Wanderléa) significava deixar para trás tempos mais inocentes, entre carangos, festas de arromba e beijos no cinema. Vencer na Itália, porém, mostrou a Roberto que ele poderia ter sucesso não apenas cantando rock’n’roll, mas investindo numa carreira de cantor romântico adulto, algo que ele começaria a perseguir já no final dos anos 1960 e se tornaria predominante em seu repertório em meados dos anos 1970. Enquanto isso, Em Ritmo de Aventura marca justamente esse ponto de equilíbrio, em um momento sensacional de Roberto e Erasmo como compositores.
Preste atenção em “Eu Sou Terrível”, por exemplo: apesar de ter como marca o rock balançado dos anos 1950 que fez a cabeça da jovem guarda, ela já tem um ar de rebeldia acima da média para aqueles tempos em-preto-e-branco. “Quando” é outro bom símbolo disso: é uma letra de dor de cotovelo, mas com uma carga dramática (e um arranjo inspirado!) acima da ingenuidade dos primeiros discos de Roberto. E o que dizer de “Você Não Serve Para Mim”, pepita de Renato Barros cuja guitarra fuzz soa selvagem até mesmo hoje em dia? Ao mesmo tempo, é o disco que tem algumas das melhores e mais marcantes baladas de Roberto, como a indefectível “Como É Grande…” ou “Só Vou Gostar de Quem Gosta de Mim”, duas que ficariam em seu repertório ad aeternum.
Em Ritmo de Aventura é, ao mesmo tempo, um disco doce e forte, balançado e suave. Por isso, pede uma mistura à altura. E sei que pode parecer ousado sugerir que misturar bourbon (que já é adocicado) com licor de amêndoas e Coca-Cola (doooooce!) dá um drink equilibrado, mas a verdade é que funciona: a carbonatação da Coca-Cola e o gelo ajudam a deixar a combinação suave, enquanto o licor de amêndoas e o bourbon trazem notas de baunilha e nuts para o coquetel. É como se fosse uma versão perigosa (pelo álcool que passa despercebido) de uma Vanilla Coke, uma daquelas bebidas que a gente pede em lanchonetes retrô. (Particularmente, eu sou um grande fã de Vanilla Coke e adoraria tomar um balde dela num drive-in assistindo a Em Ritmo de Aventura, o filme de 1968 que leva muitas dessas canções).
Além disso, tem outro significado importante para a escolha do Jack’s Godfather aqui: Roberto não poderia ser simplesmente um Jack & Coke, porque sua música não é somente americana. Há muito no que ele faz (e a jovem guarda) que vem do pop italiano dos anos 1960, representado por cantoras como Rita Pavone, Ornella Vanoni, Mina e cantores como Sergio Endrigo, Michele, Peppino di Capri e Gianni Morandi. Mina, por exemplo, é a intérprete de “Tintarella di Luna”, que aqui no Brasil a gente conhece como “Banho de Lua”. Morandi, por sua vez, é o autor de “C’Era un Ragazzo Che Come Me Amava I Beatles…” e , sim, “os Rolling Stones”. É coisa que eu também ouvia muito quando era criança – em especial, tenho um carinho enorme por essa aqui, “Si Mi Vuoi Lasciare”, do ilustre… Michele.
É algo que passa despercebido hoje por muita gente, mas essa veia da canção pop italiana é muito importante para entender algumas raízes daquilo que a gente chama de canção pop brasileira – e também para entender como cantores como Laura Pausini ou Eros Ramazzotti também tem sua vez por aqui de tempos em tempos. (Foi algo que o Pato Fu, inclusive, me lembrou no papo que batemos recentemente pro Scream & Yell). Da mesma forma que é interessante entender que aquilo que a gente chama de pop-rock também tem muito de baladas de rádio e de baile, algo que eu e o Igor Muller deciframos num programa especial do Programa de Indie, no qual nos debruçamos sobre o repertório dos Beatles nos discos de 1963.
Talvez por isso aqui, inclusive, valha considerar que o bourbon também tem seu significado específico: ele não é só americano como o rock, mas também representa essa tradição do pop de musicais, de cantores românticos, de Sinatra… e o que Roberto é senão o nosso Sinatra, como diria o Joelho de Porco? Que trapaça. (Sinatra, aliás, é um dos personagens mais marcantes de The Offer, o que pode fazer com que esse texto finalmente tenha completado seu círculo final) de referências.
Prometo que não vou gastar as últimas palavras desse texto falando mal do Roberto da atualidade, dos múltiplos traumas e do desperdício que é ele não cantar algumas das melhores músicas que já fez – sim, estou falando de “Quero Que Tudo Vá Pro Inferno”, claro. Também não vou lamentar o fato de que Erasmo já não está mais entre nós. Por um momento só, vou aproveitar a efervescência das bolhas do meu Jack’s Godfather e contemplar a beleza de um dos discos pop mais bonitos já feitos no Brasil. E se você não gostar de Roberto Carlos, só tenho uma coisa a dizer: faça uma visita ao cardiologista, porque talvez você não tenha um coração batendo no seu peito.
A Receita
30 ml de bourbon
20 ml de Amaretto
75 ml de Coca-Cola
Fazer um Jack’s Godfather é coisa fácil e não requer prática, nem tampouco habilidade. Basta apenas ter as bebidas certas e um bocado de gelo à disposição. Afinal de contas, este também é um Highball – aquela família de drinks que junta uma base alcoólica a uma bebida carbonatada. Aqui no caso, a base alcoólica é um pouco mais elaborada, juntando um bourbon ao Amaretto, um licor de amêndoas de origem italiana.
A marca mais celebrada de Amaretto é o Disaronno, cuja garrafa custa uns R$ 200 em média por aqui e cujo nome conta a origem do licor, feito pela primeira vez no século XVI, na cidade de… Saronno. Aqui no Brasil, porém, a marca mais conhecida (e acessível) de Amaretto é o Dell’Orso, feito pela Stock há décadas – e responsável por jingles que explicitam bem essa veia da canção italiana que eu falei. Olha só.
Aqui em casa, eu fui de Amaretto Dell’Orso, combinado com Jim Beam e Coca-Cola. (A receita original pede Jack Daniel’s, mas o preço do Jacózinho tá pela hora da morte e eu tinha uma garrafa do bom e velho Jim quase no fim. Mais que uma rima, foi uma solução). Para beber, é fácil: encha um copo alto de gelo, coloque o bourbon, o amaretto e a Coca-Cola em sequência e mexa levemente com uma colher bailarina. É pronto! Saúde!
Reclames da Quinzena
Um drink saído de um unicórnio de porcelana. Ou de um salto alto de cerâmica. É o tipo de coisa que acontece dentro do Sweet Secrets, clube secreto que é um dos destaques da minha mais recente colaboração para a GQ, na reportagem que está na edição deste mês de setembro, já nas bancas. Mergulhei no universo luxuoso dos clubes exclusivos que tem pululado no Brasil, unindo entretenimento, negócios e privacidade. Vai lá.
No Programa de Indie, eu e o comparsa Igor Muller temos aprontado bastante – e as próximas semanas vão ser bem interessantes. Mas enquanto isso, vai ouvindo essa nossa viagem pelo ano de 1993, cheio de música interessante. O Igor definiu bem: “Se o Programa de Indie fosse uma rádio, 1993 seria o coração da nossa programação.”
Também aproveitamos o feriadão para mostrar algumas boas novidades da música daqui e lá de fora, com Lupe de Lupe, Ema Stoned, Subsonic Eye, Drop Nineteens e muito mais. Só vem.
Lembra que eu falei da Dingo e o seu excelente A Vida é Uma Granada aqui faz uns meses? Pois bem: em janeiro, eu tinha batido um papo com o Felipe Kautz, baixista da banda gaúcha, sobre o trabalho. E só consegui ter tempo de publicar a entrevista agora, do jeito que ela merecia. O lugar, óbvio, é o Scream & Yell, num papo longo, íntimo e cheio de detalhes sobre a história de uma banda que se arrisca a fazer canções pop e discos “para ficar” em um tempo de consumo veloz de informações.
Lá no YouTube, tem vídeos novos de dois shows que eu vi no Baralto nos últimos dias: Lupe de Lupe e Pullovers, com direito à melhor música de todos os tempos a ser ambientada na Linha 3 - Vermelha.
Pra fechar, dica rápida de newsletter nova e promissora na área:
, do – capo da Cavaca Records, que lançou o grande Rock Jr., um dos discos mais legais do ano passado, feito pelo Eliminadorzinho. Vai lá e assina, pô.
Também tem mais um motivo para a escolhe desse disco nessa semana: vamos seguir em ritmo de aventura pelas próximas semanas, convivas de balcão. Saúde e até daqui duas semanas!
Um abraço,
Bruno Capelas
PS: Esse texto foi escrito ao som de Em Ritmo de Aventura, de Roberto Carlos, mas também de uma seleção de canções do pop italiano que inclui Michele e a ótima “Il Ballo del Mattone”, de Rita Pavone – “Il Ballo del Mattone”, aliás, é o nome de uma ótima cantina italiana em Buenos Aires, viu? E também escrevi esse texto ouvindo o clássico São Paulo 1554-Hoje, do Joelho de Porco, um disco… sensacional.
PS2: Gostaria de aproveitar o ensejo para agradecer o grande Bandeira, bartender da viagem do último feriadão da independência, que me abriu sua adega para eu testar pela primeira vez o Jack’s Godfather. Além de fazer excelentes drinks, Bandeira também me abriu a cabeça pra dois coquetéis que em breve com certeza vão aparecer aqui: o Kingston Martini e o Queen’s Park Swizzle. Aguardem.
PS3: Meu Instagram esteve cheio de gente viajando por Buenos Aires no último feriado. Se seu plano é ir pra capital argentina nos próximos dias, já fica aqui o aviso: aqui tem um Guia de Bares e aqui tem uma listinha de garrafas pra trazer na mala. Aceito um Fernet, viu?
Ótima edição! Mandei, claro, para minha mãe.
Que delícia de newsletter!
E já com o show do Pullovers de ontem. Amando os videos e dois pra sair do escritorio e tomar o drink.