#42: "Cabildo y Juramento", Conociendo Rusia + Hesperidina Tónica
Unidos pelo resgate de tradições e pelo frescor, um disco e um drink direto da Argentina para entrar no clima das últimas ondas de calor
Que banda te faz viajar para ver um show? E até onde você iria pra ver um artista que você adora subir num palco? Sei que pra muita gente essas perguntas parecem uma baita sandice – afinal de contas, são tantas as variáveis que podem dar errado num espetáculo que a conta simplesmente não compensa. Mas eu não me incluo nesse grupo: formado na escola Marcelo Costa de Turismo (que une destinos de viagem com uma agenda intensa de concertos), vivo abrindo a aba anônima do navegador conectando sites de vendas de passagem com a agenda de festivais e de alguns dos meus artistas favoritos.
É um critério caótico: normalmente, viajo para ver quem ajudou a formar meu caráter – como as expedições para ver o Wilco em Buenos Aires ou o Neil Young em Dublin, ou o plano próxmo para ver Caetano Veloso tocando Transa no Rio de Janeiro. Mas às vezes, simplesmente sinto o faniquito de fazer as malas só pra ver um artista novato, que arrebatou meu coração. O melhor exemplo que tenho a citar disso responde pelo nome de Conociendo Rusia.
🥸Olá, olá, olá! A Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais é uma tabelinha entre grandes álbuns e bons goles.
🎶Para ver os discos e drinks que já publicamos, use o índice.
🍸Para saber que bebidas usar, também use o índice.
🥃E se você precisa de ajuda pra montar seu bar, tem guia de compras de utensílios e de garrafas básicas aqui. Saúde!
💸Se quer uma ajuda para comprar seu bar básico, aqui tem minha listinha de indicações na Amazon.
↪E clicando no botão abaixo, você dá um golinho desse texto pra quem quiser!
Nome artístico do argentino Mateo Sujatovich, Conociendo Rusia é um projeto/banda que caiu no meu colo ali pelo final de 2020, naquele momento em que a primeira onda da pandemia dava um refresco e as primeiras vacinas estavam finalmente em produção. Depois de passar meses morando com meus pais no ABC, eu tinha voltado para o apartamento de 42m² que alugo em São Paulo, encarando não só a rotina adulta, mas também a solidão de frente – e, vá lá, certa nostalgia da vida de encontros e desencontros dos romances de aplicativo que eu vivi tanto entre o fim de 2018 e o começo da pandemia.
Lançado em 2019, Cabildo y Juramento – o segundo disco de “Rusito”, apelido de Sujatovich – caiu como uma luva naqueles dias quentes, meio sentimentais e esperançosos: afinal de contas, sua sonoridade pop resplandescente e charmosa tinha tudo a ver com a vida de solteiro, com aqueles dramas e histórias malucas que a gente chega no bar para contar. Mais que isso, era um disco otimista: mesmo nas desilusões amorosas, Cabildo é um disco esperançoso, e aquela energia contagiou aquela virada de ano.
Não foi só: além do disco, eu me encantei por uma playlist que Mateo Sujatovich criou no Spotify, a Playlist Rusa, mesclando suas próprias canções com inspirações gringas e, principalmente, argentinas. Foi uma droga de entrada e, ao mesmo tempo, um reencontro com nomes como Charly García, Fito Paez, Luis Alberto Spinetta, Andrés Calamaro e Natalia Lafourcade, lado a lado com Beach Boys, Father John Misty, George Harrison ou Rex Orange County.
Talvez eu já tenha contado aqui que me apaixonei em 2021 – e ao contrário de algumas das histórias de Cabildo y Juramento, essa é uma paixão que continua viva. Uma das primeiras playlists que eu mandei para a
foi a Playlist Rusa – um ponto arriscado, dado que rock latino não é algo assim tão digerível pra muita gente, mas que deu certo. Ao longo de dois anos de abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim, eu descobri outras coisas além do bom gosto musical dela. Em muitas manias, nós somos diferentes, mas em uma delas nós somos iguais: somos dois cracudos de show.Então, quando no começo desse ano, ela aceitou meu convite para irmos a Buenos Aires, eu já emendei com um plano maluco: “que tal encarar uma viagem de duas horas de ônibus pra pegar um festival no interior da Argentina com Conociendo Rusia e El Mató?”. Ela relutou, é verdade – até porque o plano incluía virar a noite na rua esperando o primeiro ônibus da inóspita pero inocente Baradero. Mas topou – e ela narra um pedaço da aventura bem melhor do que eu em um texto do
que também serve de cronologia histórica do look de festival – embora eu precise dizer que há uns 15 anos meu look é o mesmo: jeans, camiseta de banda e uma jaquetaça (meu casaco impermeável Quechua, um misto de abrigo, canga e mochila, tudo num só tecido).Além de virar a noite na rua, ir para Baradero envolveu uma meia dúzia de Fernet con Coca, um almoço suspeito numa lanchonete bem feinha no centro da cidade (que praticamente se resume a uma avenida, uma rodoviária e uma área cultura à beira do Rio Paraná), dias de preparativos e alguma ansiedade. Felizmente, quando o Rusito subiu no palco, tudo isso foi compensado – e olha que foram só 50 minutos de show. Em vez de gastar essa newsletter para fazer uma resenha de show, vou apenas deixar esse vídeo para exemplificar. E também porque estou particularmente interessado em uma característica específica da música de Mateo Sujatovich aqui: ela pode não ser exatamente novidadeira, mas é irresistivelmente pop (que o diga dona Silvina, outra fã da Playlist Rusa).
Porque o que Mateo Sujatovich faz em suas canções, em um projeto estético que fica evidente quando ele faz colaborações com veteranos como Fito Paez (confira a deliciosa “Tu Encanto”) ou Leiva, é buscar resgatar o melhor do pop-rock argentino em uma matriz que converse com a atualidade. É entender a tradição e trazê-la de volta, mais ou menos do mesmo jeito que Bono resgatou “Helter Skelter” de Charles Manson. E ele tem feito isso com bastante sucesso: no Primavera Sound Buenos Aires, seu nome aparece em letras graúdas na escalação da primeira noite, só abaixo do The Cure e acima dos veteranos Slowdive e El Mató a Un Policia Motorizado ou do hypado (com razão) Black Midi. Mais: ele tem enfileirado turnês pela América hispanohablante e participações especiais de porte – na reedição de El Amor Después del Amor, substituiu Charly Garcia em “La Rueda Mágica” sem nem sentir o peso da camisa.
Há um bom tempo eu queria escrever sobre esse cara, é verdade – e agora, além da desculpa de harmonizá-lo com um coquetel, surgiu um gancho: daqui a três semanas, ele passa por São Paulo e Porto Alegre para fazer sua estreia em terras brasileiras. Infelizmente, o show será no formato solo, só com voz e piano, ainda uma incógnita. E digo infelizmente porque o que assisti na Argentina, em formato banda, traz uma potência pop que há tempos eu não assistia num palco.
Para quem é fã de rock argentino, é missão obrigatória colar no Cineclube Cortina no próximo dia 21. E para quem nem sabe direito quem é Charly García ou Calamaro, escutar Rusito pode ser a ponte de conexão para se apaixonar por um universo musical incrível, que tem me dado muita alegria nos últimos anos. (Se você chegou recentemente a essa newsletter, recomendo dar uma chance para dois discos: o La Dinastía Scorpio do El Mató e o Artaud, do Pescado Rabioso. Depois me conta o que achou no balcão).
Mais do que só me apaixonar pelo rock argentino, essa viagem recente a Buenos Aires também me fez criar novos gostos no que diz respeito à arte da mixologia. Parte disso eu já falei em alguns textos aqui – como aquela elegia que eu fiz aos “bares ruins” há alguns meses, que na verdade são apenas aqueles bares que a gente vai todos os dias para tomar alguma coisa que esfrie a cabeça e esquente a alma. Na Argentina (e vá lá, no Uruguai), eu descobri que cerveja fria está lado a lado de um vermutinho, de um Campari com suco de laranja ou de um Cynar com refrigerante cítrico na cultura botequeira, sem grandes cerimônias. E isso é lindo, bicho… com o perdão da redundância.
Outros gostos são mais… do paladar, mesmo: me apaixonei por uma bebida de cor dourada, nome esquisito e difícil de encontrar até mesmo em Buenos Aires: a Hesperidina. Meu primeiro contato com ela foi na mesa da Don Julio, a churrascaria que faz filas de brasileiros a partir das 10h30 todas as manhãs (e vale cada centavo, que saudade daquele purê de batatas doces). Junto de provoleta, empanada e um corte de carne que me faz salivar enquanto escrevo, provei uma Hesperidina Tônica, a mistura dessa bebida meio mágica com uma simples água tônica e gelo. O gosto era cítrico, refrescante, mas com um sutil amargor que fazia a brincadeira ter um pouco mais de graça do que uma mera mistura qualquer. Saí em busca de uma garrafa para levar para casa, andei pra caramba, e acabei ganhando uma aula de história.
Criada no século XIX por um americano radicado em Buenos Aires, a Hesperidina é um destilado feito a partir das cascas de laranjas, com um sutil sabor amargo. É diferente de um triple sec, o clássico licor de laranja usado em muitas preparações: enquanto o licor tem lá seu sabor açucarado, a Hesperidina é levemente áspera, mas cheirosa e visualmente impactante. Não é à toa que ela tenha sido a primeira marca registrada da história da Argentina, provocando a criação do equivalente ao INPI dos hermanos: é tão deliciosa que dá pra entender porque tanta falsificação deve ter surgido na época. Além do sabor e da história, vale ainda falar da garrafa e seu design peculiar, que vai passar a dançar um tango com minha botella de Fernet Branca no armário de bebidas.
Assim como outras bebidas muito frequentes, a Hesperidina viveu sua ascensão e queda – durante muito tempo, foi considerada “bebida de velho” num país em que até as nossas bebidas de velho (lembra da sua tia que só tomava Campari?) são comuns. Hoje, ela está sendo reestabelecida e introduzida em cartas de coquetéis com preparações mil. A própria garrafa que eu comprei já traz receitas para misturar com tônica, com refrigerante de toranja ou apenas com uma singela rodela de limão – três combinações básicas, mas que já podem fazer muito brinde render por aí.
E acho que essa parceria com a água tônica tem muito a ver com o que Rusito tem feito: além do resgate de uma bela tradição, a Hesperidina Tónica também tem um sabor pop refrescante. Como muitos romances episódicos, ela mescla em boas medidas o doce, o amargo e o cítrico – e a cada gole, uma dessas facetas vai aparecendo mais ou menos, dependendo da disposição do paladar. Também é assim com Cabildo y Juramento, que tem a nostalgia de um romance antigo na gloriosa faixa título, na lembrança cálida envolvida em uma guitarra à la Carlos Santana de “Quiero Que Me Llames”, na postura roqueira de “30 Años” ou mesmo na beleza agridoce de um casal recém-rompido em “Puede Ser”.
É uma dupla que também vale de incentivo, como se algumas das edições dessa newsletter já não tivessem sido suficientes: existe muita coisa bacana pra gente conhecer na Argentina. Arranjar uma garrafa de Hesperidina, ok, eu entendo, pode ser meio complicado – mas que essa bebida caiu bem nas noites tórridas de São Paulo, ô se caiu. Enquanto isso, abrir-se para uma nova paixão musical é mais simples, estando apenas a alguns cliques de distância. E se esse novo romance der certo, pensa pelo lado bom: você não vai precisar viajar tanto quanto eu para ver o Rusito. Vai lá, dá uma chance pro rapaz, que ele tem cosas para decirte.
A Receita
60 ml de Hesperidina
120 ml de água tônica
rodela de limão pra decorar
gelo
Fazer uma Hesperidina Tónica é fácil fácil: pegue um copo alto ou uma taça de vinho (ando precisando comprar uns copos novos… então fui de taça) e coloque bastante gelo. Depois, complemente com uma dose de Hesperidina, duas de água tônica (aproximadamente 1/3 de uma latinha) e uma rodela de limão para decorar. Fácil, fácil – e capaz de impressionar pela delicadeza em poucos minutos.
Reclames da Quinzena
Dias agitadíssimos no Programa de Indie: nas últimas duas semanas, tivemos duas entrevistas incríveis. Uma delas foi um papo gigante e divertidíssimo com o Benke Ferraz e o Dinho Almeida, do Boogarins – eles pousaram em São Paulo para tocar no Coala Festival e aproveitaram para fazer um som lá nos estúdios da Eldorado. Classe (tem até uma versão de “Trem de Doido”, viu?).
A gente também fez uma entrevista internacional com uma das bandas mais legais dos últimos tempos, o Wet Leg. Liderado pela ruiva Rhian Teasdale e a loira Hester Chambers, o grupo fez um dos shows mais legais do dia rock do The Town, que também foi assunto da edição. Pra completar, a gente também falou do Coala Festival, com três dias de grandes shows, sol na moleira e cerveja Lagunitas.
Lá no canal do YouTube, tem não só vídeos dos três dias de Coala, como também do ótimo show que a Maglore fez em SP no último fim de semana, no Sesc Vila Mariana. Vai lá!
Pra fechar a conta: amanhã cedinho, embarco para Paraíso do Norte (PR), a 100 km de Maringá, para cobrir o Paraíso do Rock. Em sua 13ª edição, o festival vai ter bandas do Brasil, da Argentina, do Uruguai e do Paraguai, em uma intergração sul-americana massa. Lá no Twitter, fiz uma thread com as expectativas. E nos próximos dias pinta a cobertura lá na firma Scream & Yell. Bora?
E aí? A gente se encontra na Cabildo e Juramento? Nos vemos lá pro próximo trago, viu?
Um abraço,
Bruno Capelas
PS: Esse texto foi escrito ao som de Cabildo y Juramento, bem como da Playlist Rusa, além de Te Quiero, da dupla argentina Ainda, que foi outra descoberta boa do lado de lá da Cone Sul em 2023, com participações do Rusito e dos Bandalos Chinos. Por falar nisso, vale ficar atento: Rusito tá preparando disco novo, o que significa que 2024 deve ser um ano interessante. Já bota na sua lista pro ano que vem, junto com o novo disco do Boogarins, pelo que Benke Ferraz e Dinho Almeida falaram pra gente.
PS2: Muito dessa cultura argentina de botecar no fim do dia com um aperitivo é herdada, é verdade da cultura italiana. E tem alguém que definiu muito bem a importância disso recentemente: Michael Stipe. Nessa entrevista aqui, ele fala sobre como ele fica triste na hora do pôr-do-sol. O antídoto? “É bom ter gente ao redor naquele período. Estava refletindo esses dias sobre a importância de ter um aperitivo e um pratinho de azeitonas, algum queijo bacana, e boa companhia ao pôr do sol para falar sobre os lugares que o seu dia te levou.” Bonito, né?