#44: "Soy Latino Americano", Zé Rodrix + Queen’s Park Swizzle
Pouca gente fez mais pelo rock brasileiro que Zé Rodrix – essa newsletter serve para celebrar sua vida e sua obra, que eu amo desde criança
Há discos que demoram para serem amados – como foi o caso do Buena Vista Social Club, tema da última conversa que a gente teve aqui, lá em outubro. E há discos que acompanham a gente pela vida toda e, aos poucos, têm seu significado transformado, como é o caso do álbum dessa semana. Eu sei, não é lá muito um disco conhecido. Mas é provavelmente uma das coleções de música que mais escutei na vida, desde que eu era pequenino de pé no chão.
Não sei se já contei aqui que minha relação com a música começa com noites de sábado ao pé da vitrola lá de casa, com meu pai rodando um disco atrás do outro, me apresentando de maneira misturada Vinicius de Moraes, Lamartine Babo, Dorival Caymmi, Assis Valente ou este Zé Rodrix. Na época, ele trabalhava horas intensas a semana toda em São Paulo e esse pequeno oásis no espaço-tempo era uma das raras horas que passávamos juntos, lá por 1996, 1997 ou algo assim.
De maneira que o refrão “soy latino americano/y nunca me engano” esteve impresso no meu cérebro desde cedo, antes mesmo de eu acreditar no meme “gracias a Dios nací en latinoamerica”, como brinquei na última edição. Mas já que esse foi o tema da última carta, achei que valia por bem retomá-lo aqui, em um dos meus discos favoritos da vida – um daqueles que merece o apelido de sons de estimação –, junto a um coquetel que transpira latinidade, sendo um primo perdido entre o Mojito e o Fitzgerald: o Queen’s Park Swizzle.
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Criado no hotel Queen’s Park, em Trinidad e Tobago (país que era um dos meus favoritos na chamada oral do Atlas Geográfico Folha, hit dos anos 1990), o Queen’s Park Swizzle tem o frescor de um mojito, com a combinação de rum, hortelã, limão e açúcar, lado à lado da pungência de um Fitzgerald, que combina limão, açúcar, um álcool-base (o gim) e doses generosas de Angostura. É algo que cabe bem ao disco de Rodrix, que mistura também sua latinidade com uma dose razoável de rock e eletricidade – se você duvida, vale escutar “Chamada Geral”, uma espécie de “Festa de Arromba” do rock nacional dos anos 1970. E preciso dizer: talvez pouca gente tenha feito mais pelo rock brasileiro do que Zé Rodrix – nome de batismo, José Rodrigues Trindade (que nada mais é do que a forma aportuguesada de Trinidad, hehe).
Talvez você o conheça por conta de “Casa no Campo”, hit supremo na voz de Elis Regina. Ou porque ele era o nome do meio do Sá, Rodrix e Guarabyra, o Crosby Stills & Nash brasileiro, sendo responsável por canções históricas como “Mestre Jonas”, “Hoje Ainda é Dia de Rock” ou “Primeira Canção da Estrada”. Mas há mais: antes disso, Rodrix também era um dos malucos do Som Imaginário, a banda que acompanhou Milton Nascimento em empreitadas como os discos Milton (o que tem “Para Lennon e McCartney”) e Milagre dos Peixes, além de ter feito alguns dos trabalhos mais psicodélicos do rock nacional. Anos depois, Rodrix também faria parte de outro conjunto seminal do roque-enrow brasileiro: o Joelho de Porco. E como se não bastasse, é dele também o sintetizador marcante de “Fala”, faixa que encerra o primeiro disco dos Secos & Molhados. Tá bom ou quer mais?
Bem, tem mais: este Soy Latino Americano, terceiro disco solo de Rodrix, reúne algumas das canções mais interessantes que o carioca-maçom (sério) já fez. A começar por “Casa no Campo”, este manifesto pelas coisas bonitas que se pode comprar com 10 cruzeiros – e cujo verso final inspirou o título desta newsletter. Ou ainda pela faixa-título, “Soy Latino Americano”, que em um ritmo balançado prega uma espécie de anticapitalismo sossegado, uma forma de resistência que pode se resumir nos versos “meu caminho pro trabalho/é um pouco mais comprido/eu vou sempre pela praia/que é muito mais divertido”.
Outra que eu amo de paixão é “Ilha Deserta”, que vai na mesma linha das anteriores ao clamar que a gente precisa mesmo é de pouca coisa pra viver feliz e sossegado: “Um barco à vela, um fogão de lenha/e uma cama limpa pra deitar quando se está cansado/(...) com uma pessoinha legal deitada do seu lado”. Dito dessa forma, parece até fácil, né? Mas a gente sabe que não é – e o próprio Zé Rodrix reconhece isso, quando diz que “se as ilhas do mundo já têm dono/e você não entende bem por que/separe tudo que lhe faz falta/e guarde bem guardado numa ilha dentro de você”. Em 2021, quando vivi uma crise pessoal-profissional que me fez pirar e jogar um emprego com salário bom pro alto, essa música era uma espécie de amuleto ou talismã, capaz de me proteger todos os dias de qualquer abalo sísmico.
Quando eu era criança, essas quatro canções que eu destaquei até aqui eram as minhas favoritas, daquelas de saber a letra de cor e papagaiar pelos quatro cantos – embora eu achasse que “Ilha Deserta” e “Casa no Campo” eram meio primas de “A Casa”, d’A Arca de Noé de Vinicius de Moraes. Quanto às outras, confesso que eu pedia pro meu pai pular – e não entendia quando ele resmungava, pensando no trabalho de levantar e depositar novamente a agulha. Mas hoje, ouço o disco todo de uma vez só, muitas vezes voltando para o começo do lado B de maneiras repetidas.
É porque lá que está provavelmente a música que eu mais gosto do disco: “Eu Vou Comprar Esse Disco”, uma balada emocional levada pelo piano de Rodrix, em que ele descreve perfeitamente a relação de se amar a música. Se algum dia eu precisar explicar para alguém porque minha coleção de vinis já passa de 500 exemplares (e contando…), precisarei de apenas uma canção só: essa.
Eu poderia copiar-colar um trecho da letra aqui, mas a letra inteira é perfeita, desaguando num refrão emocional e arrepiante. É um momento perfeito da música pop, como é um gole do Queen’s Park Swizzle: ao mesmo tempo em que a refrescância do limão e da hortelã pedem passagem, há um indício de amargor que só mesmo umas gotinhas de angostura poderiam dar. Vai lá ouvir.
Às vezes, meu motivo para passear por Soy Latino Americano não está nem na voz de Zé Rodrix ou no que ele diz… mas sim nos backing vocals, uma cortesia da família Corrêa – responsável por dois dos maiores grupos vocais da história do Brasil, o Trio Esperança e os Golden Boys. Renato Corrêa, do segundo grupo, é ainda um dos diretores artísticos do disco, que conta ainda com músicos como Paulinho Braga (bateria), Luizão (baixo), Gerson Combo (ainda sem o King, no agogô) ou Mamão (bateria) – os dois primeiros, vale dizer, são só a cozinha do disco Elis & Tom, enquanto o último foi o titular das baquetas no Azymuth da fundação até sua morte.
São músicos que brilham em toda sorte de gêneros, das baladaças “Boa Viagem” e “Todo Dia Eu Tenho Que Chorar Um Pouco” às balançadas “Hmmm… Mas Que Noite” (uma ode à amizade colorida que deu errado antes de começar) e “É Impossível Parar de Dançar”. E preciso confessar: até mesmo da esquisita cover “Donde Estará Mi Vida”, um bolero aleatório com Rodrix fazendo voz de crooner de churrascaria, eu gosto hoje.
E da mesma forma que Zé Rodrix fala na sua versão de “Casa do Campo”, também achei que Soy Latino Americano me pareceu uma boa forma de retomar esta newsletter e, ao mesmo tempo, encaminhar o balanço final de 2023 – afinal de contas, o Natal já vem logo ali e, mantendo a lógica bimensal dessa newsletter, apenas uma conversa nos separa da primeira edição de 2024. Mais do que nunca, 2023 foi um ano em que, tal como o protagonista da faixa-título, eu tentei desafiar um pouco a lógica “dos USA, das 9 às 6”, vivendo com flexibilidade.
E se sei que para quem me cerca às vezes pode parecer uma rotina maluca, preciso dizer que sei que meu caminho pela praia tem sido mesmo muito divertido. Claro que nem tudo é simples ou fácil, e a busca por uma vida um pouco mais equilibrada é uma das metas pro ano que vem aí. Mas, arrisco a dizer, tal como cantou Gal Costa, que me “sinto contente, completamente contente” – e torço para que, na próxima temporada, a gente tenha mais tempo de falar de discos bons e drinks refrescantes como esta dupla de hoje. Vamos nessa?
A Receita
60 ml de rum ouro
22,5 ml de suco de limão
15 ml de xarope de açúcar
2 dashes de Angostura (ou 3, dependendo do seu paladar)
folhas de hortelã
gelo, muito gelo
Fazer um Queen’s Park Swizzle é mais fácil do que pronunciar o nome do drink, eu prometo. Pra começar, deposite algumas folhas de hortelã no fundo de um copo alto (long drink) e macere-as bem, pra liberar o óleo e os aromas da erva. Depois, com cuidado, use uma bailarina para espalhar as folhas pelas paredes do copo – difícil, mas garanto que vai fazer a diferença. Depois, adicione algumas pedras de gelo e todos os ingredientes restantes. Mexa bem com auxílio de uma colher bailarina (ou uma colher de suco bem comprida) e complete com um pouco mais de gelo. Et voilá, está pronto o seu Queen’s Park Swizzle.
Atenção para o refrão: aqui em casa, usei rum Bacardi ouro, meu bom e velho companheiro do custo-benefício; já a angostura foi mesmo da Angostura, que também é produto com origem em Trinidad. Por fim, uma polêmica: a receita original do Queen’s Park Swizzle pede por xarope de açúcar demerara, e foi assim que o bebi pela primeira vez, ao lado do companheiro Bandeira, no feriado de Sete de Setembro. Mas aqui em casa, por praticidade, usei meu xarope de açúcar refinado mesmo e achei que funcionou – embora o açúcar demerara seja mesmo mais gostoso. (Se você precisa de ajuda pra fazer xarope de açúcar, cola na grade). E… saúde, convivas, eu disse saúde!
Reclames da Quinzena:
Depois de uma rotina intensa de entrevistas, o Programa de Indie deu uma acalmada nos últimos tempos. Ou quase: na semana passada, nós mostramos algumas novidades de dezembro e comentamos os festivais que vimos, enquanto no programa anterior nós batemos um papo animado com a Soccer Mommy. Sente a onda.
Ainda sobre o Primavera Sound São Paulo, vale o aviso: tem uma playlist com mais de 30 vídeos lá no canal do YouTube. Quer saber quais foram meus shows favoritos do festival? Então chega mais nesse Top 10 do Scream & Yell.
Ainda na ressaca da última viagem pelo Brasil, também produzi pro Scream & Yell uma entrevista curta com o Esquadrão Sonzera Total, dono de um dos shows mais divertidos que vi nos últimos tempos. Que banda massa. Vale ficar atento em 2024!
Completando mais de um ano e meio de parceria com a GQ Brasil, assinei na última edição de dezembro um perfil do David Vélez, CEO do Nubank, pra série Men of the Year. Tá nas bancas ou no site da revista.
E pra fechar, mas não menos importante, por mais um ano ajudei Cajuína a publicar um relatório bem bacana com tendências pro RH no ano que vem aí, incluindo novidades sobre ESG, diversidade, liderança média, trabalho presencial e muito mais. Dá uma olhada lá.
E se as ilhas do mundo já têm dono e você não entende bem porque, faça como o Zé Rodrix: separe tudo o que lhe faz falta e guarde bem guardado numa ilha dentro de você. Ou como a Evinha, numa versão maravilhosa dessa música, que sumiu do Spotify nos últimos dias.
Um abraço,
Bruno Capelas
PS: Este texto foi escrito ao som de Soy Latino Americano, de Zé Rodrix, mas também de Uma Voz, Um Piano, de Evinha. Outro disco que rodou bastante por aqui nos últimos dias e entra nesse clima é o novíssimo A Curva dos Dias, de Renato Medeiros, com participação especial do favorito-da-casa Lucas Gonçalves. Vai lá ouvir.
PS2: Eu gosto tanto do Zé Rodrix que bolei até uma playlist especial de composições dele ou participações dele em discos de outras pessoas pra vocês escutarem – muitas delas já citadas aqui. E olha que ficou faltando muita coisa: “Ilha Deserta” na versão da Evinha, as participações dele no Joelho de Porco, “Summertime II” com o Tony Osanah e a Rosa Maria…
PS3: Ainda estou na dúvida se vou cometer um coquetel e um disco de Natal na semana que vem. Acho que vai ser difícil, ainda mais nesse calor insuportável que nunca mais vai passar. Mas vamos ver. Pelo sim, pelo não, convido vocês a curtirem também a playlist especial da família Capelas enquanto montamos nossa árvore de Natal, com direito ao icônico Papai Noel de Paraquedas. Vamos lá?