O Guia Rápido da Coquetelaria de Improviso™
Uma porção de dicas pra você que quer fazer drinks e arrasar na viagem de verão – a despeito da casa de praia alugada não ter nem sequer uma coqueteleira pra chacoalhar sua bibidinha
Como diria o Zé Rodrix, “a gente precisa de pouca coisa pra viver feliz e sossegado”. Às vezes, basta um churrasco com bons amigos, uma piscina ou uns dias numa casa de praia emprestada ou alugada para revigorar o astral e o carisma, especialmente nessa época do ano. Uma bibidinha também não atrapalha nessas horas, mas nem sempre esses lugares relaxantes oferecem as condições normais de temperatura e pressão para você, amante da mixologia, realizar seu drink favorito. Não basta ter apenas uma garrafa de gim e um sonho: às vezes, é preciso lançar mão da arte profunda da Coquetelaria de Improviso™.
Já visitei muitas casas de praia nessa vida e ouso dizer que nenhuma delas tinha uma coqueteleira no armário, que dirá os outros itens que listei naquele guia de utensílios que escrevi faz um tempo (e fica a dica, serve como ótimo roteiro para presentes de Natal de última hora). É pensando em você que só quer passar uns dias na tranquilidade mas não abre mão de um Tom Collins que este guia existe: mostrar que dá para fazer bons drink abusando da gambiarra, ciência que é pura brasilidade, fala aí?
🥸Olá, olá, olá! A Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais é uma tabelinha entre grandes álbuns e bons goles.
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De quebra, apostar em coquetéis pode ser uma forma de ganhar a amizade de desconhecidos rapidamente – e quem escreve isso é o homem que fez Mojitos na primeira vez que viu o sogro, vestindo apenas sunga e uma toalha de praia enrolada no quadril. (Em tempo: acabo de fazer dois anos de namoro e um currículo de algumas “poções” feitas para o progenitor da namorada).
O que você confere nas linhas a seguir é um manual não só para este verão (o mais frio do resto de nossas vidas, vale dizer), mas também para qualquer ocasião em que você sinta necessidade de combinar os dotes de MacGyver e Mestre Derivan num só corpo. Deguste as dicas a seguir com parcimônia e divirta-se – se “o ótimo é inimigo do bom”, como sempre diz seu Capelas, o mais importante aqui é ter uma bebida decente pra aproveitar a ocasião, qualquer que ela seja.
Batido, mexido… no vidro de palmito
Já que eu falei da coqueteleira, é bom começar por ela. Não que todo coquetel precise ser batido, claro, mas… Não tem uma boston shaker ou algo do tipo à disposição? Um vidro de palmito com tampa pode ser seu melhor amigo. Pense bem: é um recipiente que se fecha e tem resistência o suficiente para aguentar algumas pancadas de gelo. Outra ideia, ainda mais improvisada, é um pote de maionese – ambos têm volume suficiente para dar conta de algumas doses e umas pedras de gelo. Para coquetéis mexidos, os dois frascos também podem fazer as vezes de mixing glass.
Mas tome cuidado: antes de usar, tente dar uma esterilizada no vasilhame que você for usar, nem que seja despejando um pouco de água fervente ali dentro. Além disso, vale a pena testar se o seu recipiente fecha direitinho: afinal, ninguém quer deixar uma mancha de suco de cranberry na parede da cozinha da casa de praia da sua tia-avó e ganhar o ódio eterno (ou virar piada) na família.
Proporção é matemática
Eu sei: dosador é um negócio pequeno e que cabe em qualquer mala. Mas se você está lendo esse texto em desespero logo após prometer um coquetel pra sua prima chata e esqueceu o medidor em casa, pode ir se acalmando. O segredo do sucesso é buscar algo que você possa transformar em medida básica – de preferência, o menor copo disponível na casa. Um copinho de pinga, uma xícarazinha de café ou mesmo algum copo de lembrança de viagem que virou decoração podem salvar sua vida nessas horas.
Se for um copinho de dose padrão, a chance é grande que ele tenha 50 ml. Daí, é só usar a lógica de “uma dose/meia dose/um terço de dose” para ir adicionando os ingredientes da sua receita. Caso a medida seja mais freestyle, estabeleça um número arbitrário (80 ml, por exemplo) e vá brincando com as frações – afinal de contas, proporção é um exercício de matemática.
Nos copos, vá como pode
Se você lê essa newsletter já tem um tempo, provavelmente já reparou que toda receita indica o copo ideal para um coquetel. Não é frescura, é ciência – copos mais altos e estreitos funcionam melhor para manter a estabilidade de drinks carbonatados, por exemplo. Na situação de improviso, porém, é mais fácil contar com a sorte do que com uma cristaleira cheia de opções. O segredo aqui, porém, não é fazer qualquer drink em qualquer recipiente, mas tentar adaptar sua coquetelaria para o que está disponível.
Tem um monte de copos de plástico, sejam aqueles descartáveis ou os de lembrança de show? Então fique sossegado para fazer long drinks e highballs. A casa dispõe de uma coleção de canecas de formatura? Não se sinta mal por tentar convertê-las em copos baixos, do tipo rocks. E como estamos falando de fim de ano, não deixe ninguém jogar fora aquelas tacinhas de espumante de plástico que você levou pra praia no Revéillon: elas podem ser ótimas para a Mimosa da ressaca no dia 1º de janeiro.
Quem não fuça, não petisca
Eu sei que o ditado não é assim, mas vá lá: vários itens de primeira necessidade do bartender podem ser substituídos com alguma tolerância por ferramentas existentes nas gavetas de talheres de muita gente – e não tenha medo de vasculhar gavetas, armários e outros espaços para encontrar os itens dos quais você precisa. Como diria um professor meu, “na guerra, urubu é frango”.
O que em bom português significa que a bailarina pode ser substituída por uma colher de suco, uma colher de pau ou uma colher de sopa. Já o strainer nosso de cada dia pode ser trocado por um coador ou peneira – quanto menores forem os furos, melhor.
Precisa de um pilão? Use um martelo de carne, a parte de trás de uma colher de sorvete ou até mesmo um cabo de chave de fenda (tudo lavado, pelo amor de Deus!). Quer fazer uma graça e colocar a casca da laranja no seu negroni? Nada que uma boa faquinha de legumes não possa ajudar. Ah, e por falar em faca: uma boa faca de serra ou de pão são suas aliadas de primeira hora ao cortar frutas, viu?
O item mais importante: gelo
Não é só porque tá calor demais. O gelo é a alma de quase todo coquetel – e se seu gelo for ruim, a chance do seu coquetel ser ruim é bem grande. Não é só porque ele se dilui, mas também porque ele pode se diluir rápido demais. No mundo ideal, você tem um freezer cheio de forminhas de gelo pra te ajudar, mas sabemos que não vai rolar. Afinal, o gelo vai dividir espaço com o Chester congelado e um sorvetão com calda de chocolate que algum amigo lariquento fez.
Sendo assim, seu melhor amigo é o pacote de gelo que você pode comprar em algum canto – no mercado, no posto, na padaria. Mas por favor: gelo feito com água potável, em lugar de uma mínima confiança, senão vai todo mundo pro hospital com virose e em vez de rei do Camarote você vira o rei da leptospirose, com todo mundo começando o ano novo no trono. (E claro: quanto maior for o gelo, mais tempo ele demora pra derreter, o que ajuda em coquetéis mais alcóolicos, por assim dizer).
O milagre da multiplicação: drink em jarra
Quando vim morar sozinho, comprei duas jarras. A meta era fazer drink em jarra para festas caseiras – mas nunca dei sequer um bailinho aqui em casa. Nem por isso deixo de advogar em prol do drink em jarra. Tem várias vantagens: você faz uma vez e serve a turma toda. Dá pra fazer, deixar na geladeira e cada um se servir enquanto você curte a piscina. E mais que tudo isso: o drink em jarra é o melhor jeito de fazer um improviso passar despercebido.
Porque em um coquetel só, a falta de proporção pode ser bem percebida. Mas num drink em jarra, dá para negociar melhor – e o que digam meus mojitos feitos em churrascos, que já resolveram problemas de falta de rum, de limão, de hortelã ou de açúcar (felizmente, nunca me faltou água com gás). E mais: a diluição do gelo ajuda a deixar a margem de erro ainda mais tolerável. Na minha lista, bons coquetéis em jarra incluem mojitos, gim tônicas, Cuba Libre, Tom Collins, mimosas e claro, sangrias, clericots e tintos de verano.
Mas atenção: no caso de coquetéis que levam bebidas carbonatadas (água com gás, tônica, refrigerantes), vale prestar atenção na relação entre demanda (de bebida) e oferta (de gás), senão seu drink fica chocho.
Tenha receitas à manga
Por fim, mas não menos importante, é legal saber que drinks você pode fazer em situações adversas – e às vezes, apostar em combinações ousadas pode trazer grandes surpresas. Certa vez, eu só tinha à disposição Dreher, um licor de mexerica raiz, laranjas bem azedas e guaraná Antarctica. Bati os três primeiros ingredientes com bastante gelo numa proporção digna do Sidecar, adicionei o guaraná e criei o Lambretinha (que eu nunca mais repeti, mas juro que fez sucesso às 2h da madrugada numa festa de apartamento na Vila Madalena).
O que eu quero dizer aqui é que você precisa entender suas condições, dominando algumas receitas e princípios básicos – e variando ingredientes. Não tem rum para um mojito? Talvez cachaça, Porto ou até mesmo um licor de anis podem fazer sentido. Apareceu uma latinha de água tônica, mas não tem gim? Whisky, Campari ou vodka podem te ajudar muito. Tem alguém indo ao mercado pra buscar mais carne ou carvão? Pede para pegar uns 10 limões… aliás, limão nunca é demais (a menos que você seja amigo de um amigo meu que comprou 6kg de limão para uma noite de coquetéis e cortou… todos no mise-en-place).
Antes de acabar, algumas ideias: quanto menos ingredientes você precisar, melhor. E quanto menos ingredientes ousados você precisar, melhor ainda – raros em condições de improviso, licor de laranja ou angostura são bem importantes para alguns coquetéis darem certo, então talvez risque os drinks que tem esses itens na sua lista. E se for testar, teste primeiro em baixas proporções, sem medo de fazer pequenos ajustes. Ah! Se você precisar de ajuda pra fazer xarope de açúcar, aqui tem uma receitinha, ok?
E pra fechar, deixo aqui uma lista de coquetéis que eu acho que podem funcionar bem em situações de improviso – ou, pelo menos abrir sua criatividade, partindo do álcool-base de cada um.
Cachaça: Caipirinha, Bombeirinho, Macunaíma (ok, ok, Fernet é ousado)
Gim: Gin & Coke, Gim-Tônica, Tom Collins, Negroni, Gin & It, Fitzgerald, Martini
Vodka: Moscow Mule, Kamikaze, Vodka-Tônica, Cosmopolitan, Screwdriver (vodka com laranja), Dirty Shirley
Whisky/Bourbon: Gold Rush, Old Fashioned, Whisky Sour, Mint Julep, Jack & Coke
Espumante: Diet Cokeagne, Mimosa, Aperol Spritz
Perceba que muitas das receitas são a mesma variação. Desenhando pra ficar fácil:
“Álcool”-Tônica é exatamente a combinação de álcool + água tônica, da mesma forma que…
“Álcool” & Coke é álcool + Coca-Cola (com limão ou não, a gosto do freguês).
Um XXX Collins é álcool + água com gás + limão + xarope de açúcar (e se colocar hortelã, vira um Mojito adaptado)
Um XXX Spritz, por sua vez, leva amaro/licor + fruta cítrica + espumante + água com gás (no caso do Aperol Spritz, o amaro é Aperol e a fruta é a laranja).
O Screwdriver, o Garibaldi e a Mimosa são álcool + suco de laranja…
Enquanto um Old Fashioned é álcool + açúcar + angostura, um Fitzgerald adiciona limão na fórmula anterior (com gim, originalmente) e o Macunaíma troca a angostura por um amaro (o Fernet, no caso).
Entendendo as fórmulas, conhecendo proporções e respeitando os ingredientes, dá pra brincar bastante. Não tenha medo de ousar e… de novo, lembre-se: divirta-se e o “ótimo é o inimigo do bom”. Saúde!
Reclames da Semana
O Programa de Indie entrou em clima de Natal e fez seu Saldão tradicional, relembrando discos de aniversários cheios que a gente sem querer esqueceu ao longo do ano de 2023. E se eu posso dar um spoiler, fica atento: o programa dessa semana tem uma entrevista muito especial com uma baNda que tocou Faz pouco tempo no BrasiL pela primeira vez.
No canal de vídeos do YouTube, além de cobrir o show do Seu Jorge com Daniel Jobim, ainda tô aproveitando esse período de “férias” de fim de ano para tirar da gaveta alguns registros antigos que, por algum motivo, eu nunca tinha postado. Já rolou Odair José tocando O Filho de José e Maria, Apanhador Só no Cine Joia, Baco Exu do Blues… e fica de olho que tem muita coisa programada até dia 15 de janeiro.
E… é isso aí. Mas fica ligado aqui no começo de janeiro que vai ter uma estreia muito bacana – para começar o ano com a corda toda.
E com esse texto, fechamos a temporada de 2023 da Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais – um ano em que eu queria ter escrito mais, mas vida é o que acontece enquanto a gente está fazendo outros planos. E eu vivi demais esse ano, então não vou reclamar não.
A gente se vê em 2024 para mais coquetéis? Nosso balcão reabre dia 4 de janeiro, viu?
Um abraço, Feliz Natal e uma próxima volta em torno do Sol incrível pra vocês,
Bruno Capelas
PS: Este texto foi escrito ao som de múltiplos discos – mas os principais foram This Stupid World, o petardo que o Yo La Tengo lançou no começo do ano, e Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda, o clássico do Hyldon direto de 1975.
PS2: Minha ideia inicial para essa semana era tentar criar um coquetel com a cara do Natal brasileiro – pensando em ingredientes que fazem todo mundo lembrar do Papai Noel, mantendo a refrescância de uma comemoração em pleníssimo verão. Mas não deu tempo. Fica a ideia para 2024, viu? Enquanto isso, repriso aqui a dica da playlist de Natal da família Capelas.
PS3: Preciso dizer ainda que a inspiração para este texto veio de um especial feito há alguns anos pela equipe do Paladar, caderno de gastronomia do Estadão – e resgatada essa semana pela incrível Carla Peralva, parte daquele time e a melhor amiga que você pode ter no Carnaval de São Paulo. (Felizmente, eu tenho). Eita, olha aí a gente já falando de Carnaval de novo… na tela da tevê no meio desse povo… é melhor eu botar minha Sidra Cereser pra gelar, viu.
o desenho no final foi a folha bonita de hortelã na decor do mojito :)) super mão na roda essa news, colocando em prática já!